Estudo sobre Mateus 7:1-27

Mateus 7

Quando Jesus fala deste modo, como o faz com tanta frequência no Sermão da Montanha, usa palavras e conceitos bem conhecidos pelos judeus de sua época. Muitas vezes os rabinos advertiam a seus ouvintes sobre o engano de julgar a outros. “Aquele que julga favoravelmente a seu próximo”, diziam, “será julgado favoravelmente por Deus.” Sustentavam que havia seis grandes boas obras que beneficiavam ao crente nesta vida e eram proveitosas até na vida vindoura – estudar, visitar os doentes, praticar a hospitalidade, orar devotamente, educar aos filhos na Lei, e pensar o melhor com respeito ao próximo. Os judeus sabiam também que a bondade no julgamento não é menos que uma obrigação sagrada.

É possível se pensar que este mandamento é fácil de obedecer, mas a história está infestada dos mais extraordinários enganos de julgamento. Houve tantos casos de julgamentos equivocados que se acreditaria que os homens deveriam aprender a abster-se totalmente de julgar a outros. Assim aconteceu na literatura.

Na Edinburgh Review do mês de novembro de 1814, Lorde Jeffrey escreveu um comentário sobre um poema que acabava de publicar Nordsworth, e que posteriormente se tornou famoso com o título de “A excursão”. E em seu julgamento crítico, dizia o comentarista: “Esta obra não vale nada.”

Ao comentar a publicação do famoso Endimión, de Keats, o periódico The Quarterly afirmava, de modo parcimonioso: “Há no poema algumas chispadas de talento que mereceriam melhor uso.”

Em repetidas ocasiões artistas que, posteriormente, chegariam a ser famosos, foram rechaçados por serem considerados inúteis. Em suas memórias Gilbert Frankau recorda como, na época vitoriana, a casa de sua mãe era uma reunião onde se encontravam as pessoas mais brilhantes da época. Sua mãe tomava provisões para entreter aos hóspedes com alguma expressão artística. Em certa oportunidade, convidou-se a uma jovem cantor australiana. Depois de ouvi-la, a senhora Frankau declarou: “Que voz atroz! Ela deveria ser amordaçada e não ser permitida cantar o resto de sua vida.” A cantora era Nellie Melba, uma das mais famosas sopranos de ópera, poucos anos depois.

Gilbert Frankau, que era produtor de teatro, estava montando uma obra e pediu a uma agência de atores que lhe mandasse candidatos jovens para o papel principal. Chegou um ator, enviado pela agência, e Frankau o provou. Imediatamente depois de ouvi-lo, telefonou aos diretores da agência, e lhes disse: “Não serve, e nunca servirá. É melhor que o aconselhem a buscar outra profissão, se não quiser morrer de fome.” O nome do moço era Ronald Colman, que se converteria num dos mais famosos atores de cinema que jamais tenha havido.

Muitas vezes somos culpados de sérios enganos de julgamento.

Collie Knox conta o que ocorreu a ele e a um amigo. Ele tinha sofrido um acidente aéreo enquanto cumpria uma missão como piloto do Royal Flying Corps, durante a II Guerra Mundial. Seu amigo, naquele mesmo dia, tinha sido condecorado pela Rainha no palácio de Buckingham, por sua valentia em combate. Depois das cerimônias mudaram de roupa, e agora vestidos como civis estavam jantando em um famoso restaurante de Londres. Enquanto o faziam se aproximou uma jovem que pôs nas mãos de cada um destes dois heróis uma pena branca, que era sinal de desprezo pela covardia de quem não colaborava no esforço de guerra do Reino Unido.

Dificilmente haja alguém que não seja culpado de ter cometido sérios erros de julgamento. Dificilmente haja alguém que não tenha sofrido algum engano de julgamento com respeito a si mesmo por parte de outros. E entretanto, o estranho é que dificilmente haja um mandamento de Jesus que seja mais frequentemente desobedecido que este, no qual se nos proíbe julgar a outros.

Estudo sobre Mateus 7:1-5

Há três grandes razões que nos fazem incapazes de julgar a outros.
(1) Nunca conhecemos todos os fatos nem a totalidade da pessoa que julgamos.
Faz muito, o famoso rabino Hillel disse: "Não julguem a ninguém até não ter conhecido a sua situação e circunstâncias." Ninguém conhece a força das tentações que outros devem suportar. O homem de temperamento plácido não conhece a tentação daqueles a quem ferve o sangue e se inflamam de paixão ante o menor motivo. O homem que foi bem educado, em um lar decente, não conhece as tentações de quem se criou em um tugúrio, ou em um lugar onde o mal caminha pela rua cotidianamente. Quem tem a bênção de pais cristãos não conhece as tentações de quem leva sobre si a tara de uma herança pecaminosa. O fato é que se fôssemos capazes de conhecer todas as circunstâncias, ficaríamos surpresos de que tantas pessoas tenham podido ser tão boas, apesar do que tiveram que suportar.

Tampouco conhecemos a totalidade da pessoa. Em determinada situação, alguém pode ser terrivelmente insuportável, mas em outras ocasiões poderá constituir-se em uma torre de poder espiritual e beleza.

Em uma de suas novelas Mark Rutherford conta a história de um homem que se casou pela segunda vez. Sua esposa também tinha estado casada antes, e tinha, de seu primeiro casamento, uma filha adolescente. Esta menina era bastante insuportável, por seu caráter ressentido e sua atitude agressiva. O pobre homem não pôde tirar nada a limpo de sua enteada. Então, inesperadamente, a mãe da moça caiu doente. Imediatamente a filha se transformou. Sem que ninguém tivesse necessidade de dizer-lhe converteu-se na enfermeira ideal, em um autêntico exemplo de devoção e infatigável serviço. Seu habitual silêncio se iluminou com um repentino brilho, e apareceu nela outra pessoa que ninguém teria pensado que jamais podia ocultar-se nela.

Há um tipo de cristal que se chama "pedra do Lavrador". À primeira vista é uma pedra opaca, feia, que não chamaria a atenção de ninguém, mas se lhe damos volta, repentinamente, em certa posição, vista de certo modo, estala um brilho muito bonito. Há muitas pessoas que são como esta pedra. Pareceriam ser difíceis de amar, mas é porque não as conhecemos na totalidade de suas facetas.

Todos têm algo bom. Nossa responsabilidade não é julgar e condenar a outros, atendo-nos ao conhecimento superficial que temos deles, mas sim a procurar a beleza oculta que nos fará amá-los. Isso é o que esperaríamos de outros com respeito a nós e é o modo em que devemos agir com respeito a outros.

(2) É quase impossível julgar de maneira absolutamente imparcial. Uma e outra vez somos arrastados e desviados por nossas reações instintivas, não raciocinadas, frente a outros. Nossos julgamentos não obedecem ao julgamento mas apenas a uma reação totalmente irrazoável e ilógica. Diz-se que às vezes, entre os gregos, quando se julgava a alguém por alguma causa muito delicada, o julgamento se realizava às escuras, para que os juízes não pudessem ver o culpado e assim não ser influídos por outra coisa que os fatos do caso.

Em um de seus ensaios, Montaigne conta uma aguda e amarga história: Havia um juiz persa que tinha dado um veredicto injusto, tendo recebido suborno para isso. Quando Cambises, o rei, descobriu o que tinha ocorrido, deu ordem de que o juiz fosse executado. Depois da execução mandou que lhe tirassem a pele e com ela atapetou a poltrona em que os juízes se sentavam para emitir seus veredictos, como macabro aviso do caráter da justiça que não se vende. Somente uma pessoa completamente imparcial tem direito de julgar a outros. Mas não está na natureza humana o ser totalmente imparcial. Somente Deus pode nos julgar.

(3) Mas Jesus é quem deu expressão à principal das razões que nos impedem de julgar a outros. Ninguém é o suficientemente bom para julgar a outros. Jesus desenhou a imagem muito clara do homem que tem uma trave em seu olho e busca tirar o argueiro que há no olho de seu próximo. O cômico desta situação provocará nossa risada, e isto será suficiente para que aprendamos a lição. Somente o que é irrepreensível tem direito de procurar faltas em outros. Ninguém tem o direito de criticar a outro se não está disposto a, pelo menos, tentar que suas ações sejam melhores que as do outro, a quem critica. Todos os domingos os estádios de futebol estão cheios de pessoas que são críticos azedos dos enganos que os jogadores cometem, mas que ficariam em ridículo se eles mesmos descessem ao campo de jogo e tivessem que dirigir a bola.

Toda igreja e toda organização de qualquer tipo está cheia de pessoas que estão preparadas para criticar os que dirigem o grupo, mas jamais sonhariam em assumir eles mesmos responsabilidades diretivas. O mundo está infestado de pessoas que reclamam o direito de julgar a outros mas se abstêm de toda ação positiva. Ninguém tem o direito de criticar a outros a menos que esteja disposto a encontrar-se na mesma situação. Ninguém é o suficientemente bom para criticar a seu próximo.

Temos muito que fazer para retificar nossas próprias vidas para que tratemos de retificar as de outros. Seria conveniente nos concentrarmos em nossas próprias faltas, e deixar as faltas de outros ao juízo de Deus.

Estudo sobre Mateus 7:6

Este dito de Jesus é, evidentemente, muito difícil de interpretar, porque parece exigir uma exclusividade que é precisamente o contrário do espírito da mensagem cristã. A Igreja Primitiva o aplicava em duas circunstâncias particulares:

(1) Usavam-na os judeus que acreditavam que os dons e a graça de Deus eram somente para os judeus. Os inimigos do apóstolo Paulo, cristãos judeus, sustentavam que os pagãos antes de poder entrar na Igreja deveriam circuncidar-se e aceitar a Lei, quer dizer, fazer-se judeus antes de poder chegar a ser cristãos. Era um texto que podia, certamente, interpretar-se como apoio do exclusivismo dos cristãos judaizantes.

(2) A Igreja primitiva usava este texto de maneira muito particular. A Igreja estava sob um duplo ataque. Estava ameaçada de fora. A Igreja primitiva era uma ilha de pureza rodeada por muito imoralidade pagã. Era muito fácil que essa imoralidade afetasse sua vida, tornando-a mundana. Mas também havia a ameaça que provinha de dentro da mesma Igreja.

Naquela época primitiva, os cristãos começavam a elaborar as doutrinas da fé, e era inevitável que alguns fossem levados ao caminho da heresia por suas especulações. Houve alguns que procuraram estabelecer uma solução de compromisso entre as categorias cristãs e a filosofia do paganismo, chegando a alguma síntese de ambos os pensamentos que pudesse satisfazer aos dois. Para poder sobreviver a Igreja devia defender-se tanto das ameaças exteriores como desta ameaça interior: de outro modo teriam chegado a converter-se em mais uma das religiões que competiam dentro do marco do Império Romano.

Especialmente, os cristãos daquela época eram muito cuidadosos com respeito à qualidade das pessoas que eram admitidas à celebração da Eucaristia ou Ceia do Senhor. Este texto se associava com essa prática. A Santa Ceia começava com o anúncio: "As coisas santas são para os santos." Teodoreto cita o que, segundo ele, é um dito de Jesus que não foi recolhido pelos evangelistas: "Meus mistérios são para mim e para os meus."

A Constituição Apostólica estabelece que ao começar a Ceia, um dos diáconos devia dizer: "Que nenhum dos catecúmenos (quer dizer, aqueles que se estavam preparando para receber o batismo), e nenhum dos auditores os que tinham vindo ao culto porque estavam interessados em conhecer algo sobre o cristianismo), e nenhum dos incrédulos, e nenhum dos hereges, permaneça neste lugar. A Mesa do Senhor estava fechada para todos, exceto os cristãos.

O Didaquê, um livro cujo título completo era O ensino dos doze apóstolos, que data do ano 100 de nossa era, e que é o primeiro "manual de culto" ou "livro de oração comum" da Igreja, estabelece: "Que ninguém coma ou beba da Ceia, exceto os que foram batizados no nome do Senhor: porque, com respeito a isto, o mesmo Senhor disse: 'Não deem o santo aos cães'." Um dos protestos de Tertuliano é que os hereges permitem o acesso à Ceia a toda classe de pessoas, até aos pagãos, e ao fazê-lo, "Jogam aos cães o que é santo, e aos porcos as pérolas (embora por certo não são verdadeiras pérolas)" (Do Praescriptione, 41).

Em todos estes casos o texto serve como fundamento de alguma forma de exclusivismo. Tal atitude não significa que a Igreja carecesse de uma mentalidade missionária: a Igreja dos primeiros tempos vivia consumida pelo afã de ganhar a todos para Cristo. Mas ao mesmo tempo era consciente da necessidade de manter no alto a pureza da fé, para que o cristianismo não fosse absorvido pouco a pouco, e finalmente tragado, pelo oceano de paganismo que o rodeava.
É fácil dar-se conta do significado transitivo deste texto; mas nós devemos tentar ver também seu significado permanente.

É possível que este dito de Jesus tenha sido modificado acidentalmente no processo de transmissão. Constitui, literalmente, um bom exemplo do paralelismo hebreu que já encontramos anteriormente (Mateus 6:10). Leiamo-lo em duas orações paralelas:

Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas...

Com exceção de uma palavra, o paralelismo é perfeito; dar possui como paralelo equivalente a jogar; os cães têm seu paralelo nos porcos; mas santo não pode equiparar-se como paralelo de pérolas. Aqui se rompe o paralelismo. Entretanto, havia duas palavras hebraicas muito similares, especialmente quando lembramos que o hebraico antigo não tinha vocais escritas, mas apenas consoantes. A palavra que significa santo é kadosh (K D SH) e a palavra aramaica que significa aro é kadasha (K D SH). As consoantes são exatamente iguais e na antiga escritura hebraica ambas as palavras se escreviam igual. Mais ainda, no Talmud aparece a frase proverbial "um aro no focinho de um porco", que significava algo completamente incongruente, fora de lugar. Não é impossível, então, que a frase original dissesse:

"Não deis um aro aos cães,
nem lanceis as vossas pérolas aos porcos."

Neste caso existiria um paralelismo que poderíamos denominar perfeito.

Se este fosse o texto original do ensino de Jesus, significaria simplesmente que há certas pessoas que não são capazes de receber a mensagem cristã que a Igreja está desejosa de oferecer. Não se trataria pois, de uma declaração de exclusivismo, mas sim de uma antecipação da dificuldade prática com que se enfrentariam os cristãos ao pregar o evangelho, em qualquer época da história. É muito certo que é completamente impossível repartir a verdade a certas pessoas. Antes de receber algum ensino, algo deve suceder em suas vidas. Há um dito rabínico que afirma: "Assim como os tesouros não devem ser mostrados a qualquer um, as palavras da Lei não devem ser aprofundadas a não ser na presença de quem está capacitados a nos acompanhar."

Esta é uma verdade universal. Não é com qualquer um que podemos falar de qualquer coisa. Em um grupo de amigos podemos nos sentar a conversar sobre nossa fé; podemos permitir que nossas mentes questionem e aventurem respostas; podemos falar das coisas que não compreendemos e das que nos deixam perplexos, e podemos permitir que nossas mentes se lancem aos caminhos da especulação. Mas se ao mesmo grupo ingressa uma pessoa de ortodoxia rígida e pouco pormenorizada, o mais provável é que, ao ela nos ouvir, pendure em nós a etiqueta de hereges perigosos; e se, em troca, entra uma alma simples, daquelas que jamais imaginam perguntas, o mais provável é que ao nos ouvir, sinta que sua fé é abalada e posta em tela de juízo.

Um filme científico, sobre os aspectos médicos do sexo, por exemplo, pode servir para alguns como experiência iluminadora, reveladora, valiosa e saudável; mas haverá outros, predispostos à obscenidade e à curiosidade insalubre, que serão incapazes de compreender o verdadeiro significado das imagens.

Conta-se do Dr. Johnson que em certa oportunidade estava brincando e contando piadas como só pode fazer-se em um grupo de amigos íntimos. Repentinamente viu que se aproximava uma pessoa que ele conhecia, cujo caráter era muito pouco agradável, e disse: "Fiquemos quietos, porque vem um tolo."

De maneira, pois, que há certas pessoas que são incapazes de receber a verdade cristã. Pode ser que suas mentes estejam fechadas; possivelmente tenham a capacidade de compreensão embotada pela imundície que recobre seus sentidos; possivelmente tenham levado vidas que obscureceram sua capacidade para ver a verdade; possivelmente sejam zombadores por natureza, especialmente frente a tudo o que é santo; possivelmente, como ocorre às vezes, careçamos completamente de um terreno comum com eles, a partir do qual possamos argumentar. Ninguém pode compreender senão aquilo para o qual está capacitado. Não podemos abrir nossos corações e mostrar seus segredos ante qualquer um. Sempre há alguns para quem a pregação de Cristo é tolice, e em cujas mentes a verdade, ao ser expressa em palavras, encontrará um muro impenetrável.

O que faremos com estes? Temos que abandoná-los, considerando-os casos perdidos? Vamos privá-los, terminantemente, da mensagem cristã? O que as palavras não podem fazer, frequentemente pode fazê-lo uma vida autenticamente cristã. É possível que haja alguns absolutamente impermeáveis à mensagem cristã por meio de argumentos, mas que não terão resposta para a demonstração de uma vida cristã.

Cecil Northcott, em Uma Epifania Moderna, conta a história de uma conversação durante um acampamento no qual conviviam jovens cristãos de distintas nacionalidades. "Uma noite muito úmida um grupo dentre os acampantes conversavam sobre as distintas maneiras de comunicar o evangelho às pessoas. Em certo momento da discussão, voltaram-se para uma moça africana: "Maria, o que vocês fazem em seu país?" "Não falamos", disse Maria, "não organizamos campanhas evangelísticas nem distribuímos folhetos. Simplesmente enviamos uma ou duas famílias cristãs para viver em uma aldeia onde o resto são pagãos. E quando vêem como são os cristãos, eles também querem tornar-se cristãos."
Em última instância o único argumento que pode conquistar toda objeção é o de uma vida verdadeiramente cristã.

Com frequência é impossível falar de Cristo frente a algumas pessoas. Sua insensibilidade, sua cegueira moral, seu orgulho intelectual, sua zombaria cínica, a sujeira de suas mentes, é possível que os fechem totalmente às palavras que falam de Cristo. Mas sempre é possível mostrar a Cristo aos homens: a fraqueza da Igreja não é a falta de argumentos cristãos mas a escassez de vidas cristãs consagradas.

Estudo sobre Mateus 7:7-11

Todo homem que ora quererá saber a que Deus está orando. Em que classe de atmosfera serão ouvidas suas orações. Dirige-se a um Deus avaro, de quem se deve arrancar os dons pela força? Dirige-se a um Deus zombador, cujos dons bem podem ser armas de duplo sentido? Ou se dirige a um Deus bondoso, que está mais disposto a dar que nós a pedir?

Jesus provinha de uma nação que amava a oração. Os rabinos judeus disseram algumas das coisas mais belas que ninguém jamais disse com respeito à oração. "Deus está tão perto de suas criaturas como a orelha está perto da boca." "Os seres humanos dificilmente podem ouvir a duas pessoas que falam ao mesmo tempo, mas Deus é capaz de nos ouvir a cada um de nós, mesmo que todo mundo clame a Ele em um mesmo momento". "O homem se incomoda quando o chateiam os pedidos de seus amigos, mas no caso de Deus, cada vez que alguém eleva a Ele suas necessidades, mais o ama."

Jesus tinha sido educado no amor da oração. Nesta passagem nos oferece a carta fundamental cristã da oração.

O raciocínio de Jesus é muito simples. Um dos rabinos judeus perguntava se haveria algum homem que fosse capaz de odiar a seus filhos. O argumento de Jesus era que se os homens não são capazes de odiar a seus filhos, Deus, o Pai celestial, não se negará jamais a ouvir as orações de suas criaturas. Jesus escolhe seus exemplos com cuidado. Escolhe três, porque Lucas acrescentará mais um aos dois que temos em Mateus. Se o filho pedir pão, seu pai lhe dará uma pedra? Se o filho pedir um peixe, o pai lhe dará uma serpente? Se o filho pedir um ovo, o pai lhe dará um escorpião? (Lucas 11:12).

É importante que nos três exemplos, os dois objetos mencionados são de aparência semelhante. As pedras arredondadas que cobriam a costa do mar eram exatamente da forma, do tamanho e da cor de pequenas migalhas de pão. Se um filho pedir pão a seu pai, acaso este se rirá dele, oferecendo-lhe uma pedra, que possa confundir-se com um pão, porque seu aspecto é similar, mas que não se pode comer? Se o filho pede peixe, poderá o pai lhe dar uma serpente? A serpente, neste caso, provavelmente seja uma enguia. Segundo as leis judias a enguia não se podia comer, porque era um peixe impuro por não ter barbatanas nem escamas (Levítico 11:12). Se o filho pede peixe a seu pai, este lhe dará um peixe, mas um peixe que está proibido comer, e que é inútil para isso? Zombará um pai deste modo da fome de seu filho? E se o filho pede um ovo, seu pais lhe dará um escorpião? O escorpião é um animal pequeno e perigoso. Em movimento, parece-se com uma lagosta de mar, aferra-se a seu vítima com duas pinças que tem nas extremidades de suas patas dianteiras. Tem o aguilhão na cauda e levantando-a rapidamente crava o aguilhão por cima do lombo; a picada pode ser muito dolorosa, e às vezes fatal. Quando o escorpião descansa, recolhe as patas, pinças e cauda e há uma espécie de escorpião pálido que pode confundir-se muito facilmente com um ovo. Se o filho pedir um ovo, há de seu pai enganá-lo, oferecendo-lhe, em seu lugar, um escorpião venenoso?

Deus nunca se negará a ouvir nossas orações, e nunca se rirá de nossos pedidos. Os gregos tinham em sua mitologia histórias de deuses que respondiam às orações de seus fiéis, mas estas respostas sempre tinham alguma armadilha, eram armas de dois gumes. Aurora, a deusa da alvorada, apaixonou-se por Teotônio, um jovem mortal. Zeus, o rei de todos os deuses, ofereceu-lhe qualquer dom que ela quisesse, para seu amante mortal. Aurora, é obvio, escolheu que o dom fosse a vida eterna para Teotônio, mas se esqueceu de pedir, ao mesmo tempo, a juventude eterna. De modo que Teotônio envelheceu cada vez mais sem nunca poder morrer, e o dom que tinha recebido se transformou em uma maldição.

Podemos extrair uma lição de tudo isto. Deus responderá sempre nossas orações, mas o fará à sua maneira, e sua maneira será a da perfeita sabedoria e o perfeito amor que o caracterizam. Frequentemente, se respondesse nossas orações tal como nós o desejamos, o resultado seria o pior possível para nós, porque em nossa ignorância costumamos pedir coisas que em vez de nos beneficiar nos prejudicariam. Este dito de Jesus afirma não somente que Deus responderá nossas orações, mas sim o fará com sabedoria e amor.

Mas embora esta seja a carta fundamental da oração cristã, impõe-nos certas obrigações. Em grego há duas formas imperativas do verbo. A primeira é o imperativo aoristo, que pronuncia uma ordem definida e limitada: "Feche a porta", por exemplo, seria um imperativo aoristo. Mas também existe imperativo presente, que dá caráter de continuidade à ordem que se reparte, como se se dissesse: "Feche sempre as portas." Os imperativos que aparecem aqui são imperativos presentes, e seu significado, portanto, é "Peçam sempre, e sigam pedindo; procurem sempre, e sigam procurando, batam sempre, e sigam batendo."

Jesus nos diz que devemos persistir na oração; diz-nos que não devemos desanimar. É evidente que nisto reside a prova de nossa sinceridade. Queremos realmente o que estamos pedindo? É algo de tal natureza que podemos voltar a levá-lo, uma e outra vez, ao trono da graça divina? Porque a prova do valor de qualquer desejo, sempre será se posso pedir a Deus por ele, em oração. Jesus estabelece, nesta passagem, a dupla realidade de que Deus sempre responderá nossas orações a sua maneira, em sabedoria e amor; e que devemos levar ante Deus uma vida de infatigável oração, que demonstre a validez das coisas pelas quais pedimos, e a validez de nossa sinceridade ao pedi-las.

Estudo sobre Mateus 7:12

Estas são, provavelmente, as palavras mais universalmente famosas que Jesus proferiu. Com este mandamento o Sermão da Montanha alcança seu cume e pico mais alto. Este dito de Jesus foi chamado "a pedra angular de todo o sermão". Constitui o regulamento fundamental de toda ética social, e é o pináculo de toda doutrina ética.

É possível citar ditos rabínicos paralelos de virtualmente tudo o que Jesus ensinou. Mas não existem paralelos desta doutrina. É algo que nunca ninguém havia dito antes. É um novo ensino, uma nova forma de ver a vida e as obrigações que a vida impõe.

Não é difícil encontrar muitos paralelos deste afirmação em forma negativa. Como já o tínhamos afirmado, havia sobretudo dois mestres rabínicos, entre os judeus, que desfrutavam de enorme fama: Hillel, que era reconhecido por sua doçura e graça, e Shamai, que orientava seus ensinos segundo uma rígida e firme austeridade. Os judeus contavam a seguinte história: “Um pagão foi a Shamai e lhe disse: ‘Estou disposto a me converter em partidário e ingressar no judaísmo, se você for capaz de me ensinar toda a Lei enquanto eu me mantiver na posição de uma perna num só pé.’ Shamai o expulsou de sua casa, batendo nele com um ponteiro que tinha à mão. O pagão, então, foi a Hillel, quem o recebeu como partidário, e lhe disse: ‘Não faça a outros o que você não gostaria que fizessem a você; esta é toda a Lei, veja bem e continue aprendendo-a’.”

Aqui temos a Regra Áurea em sua forma negativa. No Livro de Tobias há uma passagem no qual o ancião Tobias ensina a seu filho tudo o que necessita para a vida, e um de seus máximas é: "O que não queres para ti, não o faças a ninguém" (Tobias 4:15). Há um livro judeu que se chama A Carta a Aristeas, que se apresenta como uma crônica do que aconteceu com os sábios judeus que se reuniram em Alexandria para traduzir as escrituras hebraicas ao grego e produziram a Septuaginta. O rei do Egito lhes tinha devotado um banquete, durante o qual lhes fez muitas perguntas difíceis. Entre outras lhes disse: "Qual é o ensino da sabedoria?" E um dos eruditos judeus lhe respondeu: "Assim como você gostaria que nenhum mal lhe sobreviesse, mas sim queria ser partícipe de todo o bem, assim aja com seus súditos e seus ofensores, admoestando docemente aos nobres e aos bons. Porque Deus atrai para si a todos os homens mediante a benignidade" (A Carta ao Aristeas, 207).

O rabino Eliézer foi provavelmente o que mais perto esteve da maneira em que Jesus o diz, quando ensina "Que a honra de seu amigo seja tão cara para ti como a tua própria". O salmista conhecia também a forma negativa deste ensino, quando afirmava que somente o que não fizeram mal a ninguém podem aproximar-se de Deus (Salmo 15:3). Não é difícil encontrar paralelos no judaísmo da forma negativa da Regra de Ouro; mas não há paralelo da forma positiva em que Jesus a expressou.

O mesmo ocorre com os ensinos das outras religiões. A forma negativa desta lei suprema é um dos princípios básicos nos ensinos de Confúcio. Tze-Kung lhe perguntou: "Há alguma palavra que possa servir como regra para ordenar toda a vida do homem?" E Confúcio respondeu: "Não é acaso ‘reciprocidade’ essa palavra que buscas? O que não queres que te façam, tampouco o faças aos outros."
Nos Hinos da Fé do budismo há alguns versos muito bonitos, que se aproximam muito do ensino do cristianismo:

Todos os homens tremem ante o açoite,
todos temem de morte;
Ponha-os no lugar dos outros, não matem,
nem ordenem matar.
Todos os homens tremem ante o açoite,
todos os homens amam a vida;
Façam como preferiria que lhes fizessem,
não matem nem ordenem matar.

O mesmo ocorre com os gregos e os romanos, Sócrates conta que o rei Nicocles impôs aos oficiais de seu exército o seguinte regulamento: "Não façam a outros aquelas coisas que deixam vocês zangados quando as experimentam às mãos de outros." Epicteto condena a escravidão, fundando-se em que: "O sofrimento que a gente mesmo evita, não deve infligi-lo a outros." Uma das máximas básicas dos estóicos era: "O que não desejam que lhes seja feito, jamais o façam a outros." E se conta que o imperador Alexandre Severo fez que esta máxima fora gravada em pedra e colocada na parede de seu palácio, para não esquecê-la nunca como norma de vida.

Em sua forma negativa, este ensino é por certo a fundamentação de tudo ensino ética, mas ninguém, exceto Jesus, enunciou-a em sua forma positiva. Muitas vozes disseram: "Não façam a outros, o que não querem que outros façam a vocês." Mas ninguém antes havia dito: "Façam aos outros o que vocês querem que eles façam a vocês."

Vejamos agora no que se diferenciam a forma negativa e a positiva desta regra áurea. E vejamos quanto mais exigiu Jesus que qualquer outro mestre que a humanidade tenha tido.

Quando se enuncia esta norma em sua forma negativa, quando se diz que não devemos fazer a outros o que não queremos que outros façam conosco, a norma não é tão fundamental para a vida religiosa, mas sim ocupa um lugar subordinado. Trata-se simplesmente de uma afirmação do sentido comum, sem a qual as relações sociais seriam impossíveis no mundo. Se não pudéssemos dar por sentado que o comportamento das demais pessoas tem que ajustar-se às normas da vida civilizada, a vida em sociedade seria intolerável. A forma negativa da regra áurea não nos impõe uma obrigação adicional, mas sim é algo sem o qual seria impossível a mera existência de nossa sociedade.

Mais ainda, a forma negativa da regra áurea, envolve somente o não fazer certas coisas, significa evitar certas ações. Nunca é tão difícil não fazer algo. O não ferir a outros não é um princípio religioso fundamental, é antes um princípio legal. A classe de princípios que podem ser observados pelos que não acreditam em nada nem têm nenhum interesse religioso. A pessoa poderia abster-se de fazer o mal a outros, e entretanto não ser mais que uma pessoa inútil para seus semelhantes. Pode-se satisfazer a forma negativa da regra áurea, limitando-se a inação. Com não fazer absolutamente nada, evita-se quebrantar esta norma, de maneira perfeita. A bondade que consiste em não fazer nada seria uma total contradição de tudo o que significa a bondade cristã.

Quando se enuncia esta norma em forma positiva, quando se nos diz que devemos fazer a outros o que queremos que eles nos façam, entra em nossas vidas um novo princípio, e uma nova atitude para com nossos semelhantes. Uma coisa é dizer: "Não devo ferir a outros." Esta pode ser uma obrigação legal. Outra coisa muito distinta é dizer: "Devo me esforçar em ajudar a outros, sendo amável com eles, assim como eu gostaria que outros me ajudassem, sendo amáveis comigo." Somente o amor poderá nos ajudar a fazer isto. A atitude de quem afirma: "Não devo fazer mal a ninguém" é diametralmente oposta à de quem sustenta: "Devo fazer todo o bem que eu puder."

Para tomar uma analogia muito simples – se alguém tiver um carro, a lei pode obrigá-lo a dirigir de tal maneira que não atropele as pessoas ou aos outros veículos, na rua ou estrada, mas nenhuma lei civil pode obrigá-lo a deter-se e levantar um caminhante cansado e com os pés feridos. É algo simples evitar fazer o mal a outros; não é tão difícil respeitar seus princípios e seus sentimentos. Mas é muito mais difícil estabelecer deliberadamente como política e norma de nossa vida, o fazer tudo o que esteja a nosso alcance para agir de maneira tão amável para outros como gostaríamos que eles agissem conosco. E entretanto, é justamente esta nova atitude o que faz bela a vida.

Jane Stoddart cita um incidente da vida de W. H. Smith.

“Quando Smith estava no Ministério de Guerra, seu secretário particular, o senhor Fleetwood Wilson, deu-se conta de que um sábado pela tarde, quando já tinha terminado a semana de trabalho, Smith estava ainda ocupado em preparar a valise em que ele mesmo levaria os documentos que devia revisar durante o fim de semana no campo. O secretário, Wilson, disse-lhe que pouparia todo esse trabalho se adotasse a prática comum de outros ministros de governo – deixar os papéis para que fossem enviados pelo correio. Smith pareceu um pouco confundido por um momento e depois disse: ‘O que ocorre, Sr. Wilson, é que o carteiro que nos traz a correspondência desde Henley, tem já muitos coisas que carregar. Uma manhã eu o vi aproximar-se de minha casa, com o pesado pacote de meus papéis além das outras cartas e pacotes que normalmente deve levar, e fiz o propósito de evitar-lhe essa carga adicional, se estava em minhas mãos’.”

Ações assim demonstram uma atitude especial para com o nosso próximo. É a atitude de acreditar que não devemos limitar nossos entendimentos com outros ao que permite a lei, mas sim devemos tratá-los como o exige o amor.

É perfeitamente possível para qualquer um observar a regra áurea em sua forma negativa. Mediante um esforço poderia disciplinar sua vida de não fazer nunca nada que não queira que outros façam a ele. Mas a única pessoa que pode começar a obedecer, sequer, a regra áurea em sua forma positiva é aquele que tem o amor de Cristo em seu coração. Tentará perdoar tal como espera ser perdoado; ajudar tal como gostaria de ser ajudado; reconhecer o bom de outros tal como espera que se reconheça o seu; compreender, tal como espera ser compreendido. Nunca procurará evitar fazer coisas; estará sempre procurando coisas para fazer. É evidente que isto complicará sua vida; terá muito menos tempo livre para satisfazer seus desejos e atividades prediletas, porque uma e outra vez se verá obrigado pelo amor a deixar de fazer o que está fazendo para ajudar a outros. Será um princípio que dominará sua vida no lar, na fábrica, no ônibus, no escritório, na rua, no trem, nos lugares de recreação, e em todas as partes. Nunca poderá obedecer este princípio até que seu egoísmo não tenha morrido, extinto por completo de seu coração. Para obedecer este mandamento terá que converter-se em um homem novo, e possuir um novo centro em sua vida. Se o mundo estivesse composto por indivíduos que procurassem obedecer esta regra, viveríamos em um mundo novo.

Estudo sobre Mateus 7:13-14

A vida sempre tem certa qualidade dramática, porque tal como foi dito: "Quando um homem se encontra em uma encruzilhada, concentra-se sobre ele toda a vida". Cada ação da vida confronta o homem com uma decisão iniludível; não pode permanecer impassível. Sempre deve escolher um caminho ou outro. Por isso, uma das funções mais importantes de todos os grandes homens da história, foi enfrentar a seus contemporâneos com essas decisões iniludíveis.

Quando se aproximava o fim de sua vida, Moisés falou com seu povo e lhes disse: "Vê que proponho, hoje, a vida e o bem, a morte e o mal.., escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência..." (Deuteronômio 30:15-20). Quando Josué estava a ponto de transmitir o mando de seu povo, ao final de sua vida, enfrentou-os com a mesma eleição: "Escolhei hoje a quem sirvais" (Josué 24:15). Jeremias ouviu a voz de Deus que lhe dizia: "A este povo dirás: Assim diz o SENHOR: Eis que ponho diante de vós o caminho da vida e o caminho da morte" (Jeremias 21:8).

É esta a decisão que Jesus põe diante dos homens nesta passagem. Há um caminho largo e fácil de transitar, e há muitos que o escolhem; mas o fim dos que andam por ele é a ruína. Há um caminho estreito e difícil, e muito poucos são os que vão por ele; mas o fim deste é a vida. Ceve, o discípulo do Sócrates, escreveu em sua obra Tábula: "Vê uma porta e em frente um caminho não muito transitado, pois os viajantes são poucos? Esse é o caminho que conduz à verdadeira instrução."

Examinemos a diferença entre os dois caminhos.
(1) É a diferença entre o fácil e o difícil. Nunca há vias fáceis que conduzam à grandeza; esta sempre é produto do esforço. Hesíodo, o antigo poeta grego, escreve: "A maldade pode se ter em abundância com facilidade, o atalho é liso, e ela habita muito perto; mas frente à virtude os deuses imortais colocaram o suor." Epicarmo disse: "Os deuses nos exigem trabalho duro, como preço de todas as coisas boas." O homem ardiloso não deseja as coisas brandas", adverte, "porque terminará recebendo as duras."

Em certa oportunidade Edmund Burke pronunciou um grande discurso no Parlamento inglês, onde era deputado. Ao terminar, alguns observaram que seu irmão, Richard Burke, estava submerso em profundos pensamentos. Perguntaram-lhe o que estava pensando, e respondeu: "Estava-me perguntando como fez Edmund para monopolizar todo o talento de nossa família; mas depois lembrei que quando todos nós estávamos jogando, ele estava invariavelmente trabalhando."

Mesmo que algo se faz com aparente facilidade, essa facilidade mesma é, sem dúvida, o resultado de muito trabalho duro e perseverante. A habilidade do concertista de piano, ou a do campeão no campo de golfe, não se alcança sem muito suor.

Nunca houve outro caminho que conduzisse à grandeza que o caminho do trabalho, e algo que prometa ser um atalho não é mais que uma miragem e uma armadilha.

(2) É a diferença entre o caminho longo e o curto. É muito estranho que algo surja perfeito e acabado, sem que haja custado um longo esforço. A grandeza, em geral, provém de muito tempo dedicado ao trabalho e à contínua atenção aos detalhes.

Horácio, em sua Poética, recomenda a Pisón que quando escrever algo o guarde durante nove anos antes de publicá-lo. Conta-lhe de um discípulo que costumava levar exercícios a Quintílio, o famoso crítico, o qual normalmente lhe dizia: "Apaga-o e atira-o ao lixo, não o forjaste, deves devolvê-lo ao fogo e à bigorna."

A Eneida, de Virgílio, foi o trabalho dos últimos dez anos de sua vida. Quando estava a ponto de morrer, seu propósito foi destruir a obra, porque a considerava imperfeita, e o teria feito se seus amigos não o tivessem detido. A República, de Platão começa com uma afirmação muito singela: "Ontem fui ao Pireo, com Glauco, filho do Aristão, para oferecer uma oração à deusa."

No manuscrito de Platão, de seu próprio punho e letra, havia correções que indicam como lhe ocorreram sucessivamente pelo menos treze versões diferentes desta primeira frase. O grande mestre da literatura grega trabalhou infatigavelmente com uma só oração, até conseguir a cadência exata que se adequava ao texto que queria produzir.

Um dos poemas imortais da literatura universal é a Elegia escrita em um cemitério rural, de Thomas Gray. Seu autor a escreveu no verão de 1742, e só em 12 de junho de 1750 começou a circular, entre o grupo mais íntimo de seus amigos. Sua perfeição lapidária custou ao autor oito anos de trabalho.

Ninguém chegou a produzir uma obra mestra tomando um atalho. Neste mundo, constantemente nos são oferecidos atalhos, a promessa de resultados imediatos; e o caminho longo, cujos resultados se produzem a longo prazo. As coisas de valor duradouro nunca se produzem instantaneamente; o caminho longo, em última análise, é sempre o mais adequado.

(3) É a diferença entre o caminho disciplinado e o indisciplinado. Nada se obteve jamais sem uma estrita disciplina. Muitos atletas e muitos homens comuns arruinaram suas possibilidades por abandonar a disciplina e permitir uma atitude descuidada.

Coleridge é a suprema tragédia da indisciplina. Nunca houve uma mente tão grande que produzisse tão pouco. Abandonou a Universidade de Cambridge para entrar no exército; abandonou o exército porque, apesar de sua erudição, não podia pôr o cabresto num cavalo. Ingressou em Oxford, para reiniciar seus estudos, mas também saiu desta universidade sem obter grau acadêmico algum. Lançou um periódico, chamado The Watchman e o abandonou depois de publicar dez números. Tem-se dito a seu respeito: "Perdia-se em visões de trabalho que seria bom fazer mas que jamais faria. Coleridge possuiu todos os dons que fazem um grande poeta, exceto um, o da concentração no trabalho." Em sua cabeça e sua mente tinha inumeráveis livros, segundo ele mesmo dizia: "terminados, embora falta escrevê-los". "Estou em vésperas", diz, de enviar à imprensa dois volumes em oitavo." Mas os livros nunca foram compostos fora de sua mente, por não submeter-se à disciplina de sentar-se a escrevê-los.

Ninguém alcançou a eminência, e uma vez alcançada conseguiu mantê-la, sem disciplina no trabalho:
(4) É a diferença entre o trabalho reflexivo e a irreflexão. Aqui chegamos ao centro do problema. Ninguém escolheria o caminho fácil, curto e indisciplinado se refletisse sobre o assunto. Neste mundo tudo tem dois aspectos – o que tem no momento e o que terá amanhã. O caminho fácil poderá parecer muito tentador no momento, e o caminho difícil muito pouco atrativo. A única forma de organizar corretamente nossa escala de valores é ver não somente o princípio mas também a meta de nossos caminhos, ou seja ver todas as coisas não somente à luz do tempo, mas também à luz da eternidade.

Estudo sobre Mateus 7:15-20

Quase todas as expressões e frases deste texto poderiam evocar, nos judeus que as ouviram, coisas que para eles eram bem familiares. Os judeus conheciam muito bem tudo concernente a falsos profetas. Jeremias, por exemplo, teve problemas com os profetas que diziam "Paz, paz; e não há paz" (Jeremias 6:14, 8:11).

O falsos profetas e os falsos governantes eram chamados de lobos. Na pior época de Israel, Ezequiel havia dito: "Os seus príncipes no meio dela são como lobos que arrebatam a presa para derramarem o sangue, para destruírem as almas e ganharem lucro desonesto" (Eze. 22:27). Sofonías traça um escuro quadro do estado de coisas em Israel quando diz: "Os seus príncipes no meio dela (a nação do Israel) são leões rugidores, os seus juízes lobos da tarde; nada deixam até o dia seguinte. Os seus profetas são levianos, homens traiçoeiros" (Sof. 3:3, 4). Quando Paulo, ao despedir-se dos anciãos de Éfeso, oferece-lhes sua última advertência contra os perigos que podia encerrar o futuro, diz-lhes: "Porque eu sei que depois de minha partida entrarão em meio de vós lobos rapaces, que não perdoarão ao rebanho" (Atos 20:29). Jesus disse que enviava a seus discípulos como a ovelhas em meio de lobos (Mateus 10:16), e falou do Bom Pastor que protege com sua vida a segurança do rebanho (João 10:12). Esta era uma imagem que todos podiam reconhecer e compreender.

Jesus disse que os falsos profetas são como lobos cobertos com pele de ovelhas. Quando o pastor cuidava seus rebanhos nas serranias, sua vestimenta era um saco de pele de ovelha, com a lã para dentro e o couro para fora. Mas a pessoa pode se vestir como um pastor e, entretanto, não ser um pastor.

Os profetas usavam uma espécie de hábito, pelo qual eram reconhecidos. Elias tinha um manto (1 Reis 19:13, 19) que era uma espécie de capa de pêlos (2 Reis 1:8). Esse manto de lã de ovelha tinha chegado a ser uma espécie de uniforme dos profetas, tal como os filósofos gregos usavam habitualmente uma toga de filósofo. Graças a esta vestimenta podia distinguir-se um profeta dentre outros homens. Mas às vezes a vestimenta era levada por quem não tinha o direito a fazê-lo, porque Zacarias afirma, em seu livro, que nos grandes dias por vir, "nem mais (os profetas) se vestirão de manto de pêlos, para enganarem" (Zacarias 13:4). Havia quem se envolvia no "manto de pêlos" dos profetas mas não viviam como profetas.

Nos tempos neotestamentários também houve falsos profetas. Mateus foi escrito ao redor do ano 85 de nossa era, e nessa época os profetas eram ainda um dos ministérios reconhecidos na Igreja. Eram homens que não tinham residência fixa e andavam de um lugar para outro, levando às Iglesias uma mensagem que acreditavam ter recebido diretamente de Deus. Em sua melhor expressão os profetas eram uma inspiração para a Igreja, porque eram homens que, tendo abandonado tudo, serviam exclusivamente a Deus e a sua Igreja. Mas este ofício se prestava particularmente aos abusos. Havia quem se valia dele para ganhar prestígio, para aproveitar-se da generosidade das Iglesias locais e viver dessa maneira ociosos, comodamente e sem preocupações.

O Didaquê é o primeiro livro cristão de disciplina eclesiástica que conhecemos, e data de aproximadamente o ano 100 de nossa era. As disposições que propõe com respeito a esses profetas itinerantes são muito ilustrativas. Devia-se respeitar os verdadeiros profetas, outorgando a eles a mais elevada honra; se devia recebê-los com os braços abertos e nunca desatender suas palavras nem procurar limitar sua liberdade de expressão. "Mas ficará em cada congregação um só dia, dois dias possivelmente, se ficar mais de três dias, é um falso profeta." Se for profeta, se for necessário, mas nunca mais de três dias. Se pretendia falar inspirado pelo Espírito Santo, ordenando que se preparasse mesa para comer, podia ser considerado um falso profeta: "Quem quer que lhes diga, no Espírito 'Me dêem dinheiro' (ou qualquer outra coisa) não o devem ouvir; mas se exigir que dêem a outros, que têm necessidade, ninguém deverá julgá-lo." Se um profeta itinerante chegar a uma congregação e deseja estabelecer-se nela permanentemente, "se tiver um ofício, que trabalhe nele e viva de seu trabalho". Se não tiver ofício. "considerem como poderá viver convosco, sem ser um cristão ocioso... mas se não estiver disposto a aceitar estas condições, não é mais que um comerciante de Cristo. Tomem cuidado com os tais" (Didaquê, capítulos 11 e 12).

A história do passado e os acontecimentos da vida presente na vida da Igreja faziam bem atuais as palavras de Jesus para quem as ouviu pela primeira vez, e para aqueles a quem Mateus as transmitiu.

Os judeus, como os gregos e os romanos, pensavam que a árvore pode ser conhecida pelos seus frutos, "Conforme seja a raiz, assim será o fruto", dizia um provérbio. Epicteto acrescentaria: "Como poderia a videira crescer não como videira, mas sim como oliveira, ou como poderia a oliveira crescer não como oliveira mas sim como videira..." (Epicteto, Discursos 2:20). Sêneca declarava que o bem não pode provir do mal, assim como o figo não pode vir de uma oliveira.

Mas este ensino é muito mais profundo do que pode parecer ao observador superficial. Jesus pergunta se se tiram uvas dos espinheiros. Havia na Palestina uma planta espinhosa que tinha um fruto preto, redondo e pequeno, muito parecido com pequenas uvas. Jesus também pergunta se os abrolhos dão figos. Havia um tipo de cardo cujo fruto, pelo menos a certa distância, podia confundir-se com um figo. O ensino que se extrai destas semelhanças é muito importante e saudável. É possível que haja uma similitude superficial entre o verdadeiro e o falso profeta.

O falso profeta pode vestir-se como um profeta verdadeiro e falar como um profeta. Mas ninguém pode alimentar-se com as "uvas" de um espinheiro, nem com os "figos" de um cardo. Do mesmo modo, a vida da alma não pode sustentar-se como os frutos falsos que oferece o profeta que não o é. A verdadeira prova de qualquer ensino é se alimentar e fortalecer ao homem para agüentar as cargas da vida e percorrer o caminho por onde deve andar.

Vejamos quem são falsos profetas, e quais são suas características. Se o caminho for estreito e a porta de entrada tão estreita que é difícil de encontrar, devemos tomar cuidado de buscar para nós mestres que nos ajudem, e não mestres que nos afastem dela.

O defeito fundamental do falso profeta é o interesse pessoal. O verdadeiro pastor se preocupa mais com o bem-estar do rebanho que com sua própria vida. O lobo não tem outra preocupação senão a de satisfazer sua glutonaria e ambição. O falso profeta ensina não pelo que possa dar a outros, mas sim pelo que pode conseguir para si, Os judeus tinham uma aguda consciência deste perigo. Os rabinos eram os mestres da religião judia, mas um dos princípios fundamentais do judaísmo, no que respeita à sua disciplina religiosa, era que todo rabino devia exercer um ofício e deste modo ganhar a vida, e não devia receber retribuição alguma por seu ensino.

O rabino Zadok disse: "Não façam do conhecimento da Lei nenhuma coroa com a qual luzir, nenhuma pá para cavar a terra." Hillel disse: "Aquele que usa a coroa da Lei com finalidades exteriores, será aniquilado." Os judeus conheciam muito bem a esses mestres que ensinam interesseiramente, pensando mais em si mesmos do que em seus discípulos.

Há três formas em que um mestre pode ser dominado pelo interesse pessoal.

(1) Pode ensinar somente por ganho. Conta-se que na igreja do Ecclefechan, onde o pai de Thomas Carlyle era "ancião", produziu-se um conflito entre a congregação e seu pastor por uma questão de dinheiro. Quando já se discutiu extensamente o assunto, o pai de Carlyle ficou de pé e disse de forma lapidar: "Dêem o pagamento ao assalariado, e que vá embora."

Ninguém pode viver de nada, e muito dificilmente pode alguém fazer seu melhor trabalho se estiver constantemente sob a pressão de dificuldades econômicas, mas o grande privilégio do ensino do Evangelho não é o pagamento que oferece, mas sim a emoção de abrir a mente de meninos, jovens, homens e mulheres amadurecidos, à verdade de Deus.

(2) Pode ensinar somente pelo prestígio. A pessoa pode ensinar não para ajudar a outros, mas para mostrar quão inteligente é.

Denney disse uma vez algo terrível: "Ninguém pode demonstrar ao mesmo tempo que ele é inteligente e que Cristo é maravilhoso." O prestígio é a última coisa que buscam os que verdadeiramente são grandes mestres. J. P. Struthers era um santo varão de Deus. Passou toda sua vida a serviço da pequena Igreja Presbiteriana Reformada, quando poderia ter ocupado os mais elevados púlpitos da Grã-Bretanha. Os que o conheciam o amavam, e quanto mais o conheciam mais o amavam. Dois homens estavam falando dele. Um deles conhecia tudo o que Struthers fazia, mas não o havia conhecido pessoalmente. Recordando o santo ministério deste pastor, ele disse: "Terá um assento de primeira fila no reino dos céus." O outro homem, que tinha conhecido a Struthers pessoalmente, o corrigiu: "Struthers se sentiria muito incômodo em um primeiro assento, em qualquer lugar."

Há pregadores e mestres que usam sua mensagem como marco de suas personalidades. O falso profeta é o que está interessado em mostrar-se a si mesmo; o autêntico profeta deseja a anulação de si mesmo.

(3) Pode ensinar somente para transmitir suas próprias ideias. O falso profeta se empenha em difundir sua própria versão da verdade. O verdadeiro profeta é o que difunde a verdade de Deus.

É verdade que cada qual deve pensar por si mesmo, mas se dizia de John Brown, de Haddington, que cada vez que pregava costumava parar, de vez em quando, como se estivesse ouvindo uma voz. O verdadeiro profeta ouve a Deus antes de falar com os homens. Nunca esquece que não é outra coisa que uma voz para falar em nome de Deus, e um canal mediante o qual a graça divina pode chegar aos homens. É dever de todo mestre e pregador levar aos homens, não suas próprias idéias particulares sobre a verdade, mas a verdade tal como é em Jesus Cristo.

Esta passagem diz muitas coisas importantes sobre os maus frutos dos maus profetas. Quais são os falsos efeitos, os maus frutos que um falso profeta pode produzir?

(1) O ensino é falso se produzir uma religião que consiste exclusiva ou principalmente na observação de exterioridades. Este era o principal engano dos escribas e os fariseus. Para eles a religião consistia na observação das leis cerimoniais. Se alguém lavasse corretamente as mãos, se no dia de sábado nunca levasse nada que pesasse mais que dois figos, ou não caminhasse mais que a distância permitida, se era meticuloso na oferenda de seus dízimos, separando até o das ervas que cultivava em seu pomar, então era um homem bom. É muito fácil confundir a religião com as práticas religiosas. É possível, e não pouco comum, escutar o ensino de que a religião consiste em ir à igreja, observar o dia do Senhor, cumprir as obrigações financeiras com respeito à Igreja, ler a Bíblia. É possível fazer todas estas coisas e estar muito longe de ser cristão, porque o cristianismo é uma atitude do coração com respeito a Deus e ao próximo.

(2) Um ensino é falso se produzir uma religião que consiste em proibições. Toda religião fundada em uma série de imperativos negativos é uma religião falsa.

Há uma classe de mestre que diz à pessoa que planeja transitar pelo caminho cristão: "A partir de agora você não irá mais ao cinema, não dançará, não fumará nem usará maquiagem; tampouco lerá novelas nem os jornais que se publicam no domingo, e não porá os pés em um teatro ou sala de diversões."

Se a gente pudesse ser cristão abstendo-se de fazer algumas coisas, o cristianismo seria uma religião muito mais fácil do que é. Mas a essência do cristianismo é, precisamente, que não consiste em não fazer certas coisas; consiste em fazer. Um cristianismo negativo jamais pode constituir uma resposta adequada de nossa parte ao amor positivo que Deus nos dá.

(3) Um ensino é falso se produzir uma religião fácil. Nos tempos do Paulo havia falsos mestres, o eco de cujos ensinos pode escutar-se em Romanos 6. Perguntavam a Paulo: "De que modo você diz que a graça de Deus é a maior coisa que há no universo?" E Paulo respondia sem vacilação: "Sim." "E você crê que a graça de Deus é suficientemente ampla para cobrir todo pecado?" "Sim." "Bem, se for assim, sigamos pecando até fartar-nos. Deus nos perdoará. Depois de tudo, nosso pecado não é mais que uma oportunidade que damos a Deus para pôr em ação sua graça perdoadora."

Uma religião tal não é mais que uma caricatura da verdadeira religião, porque é um insulto ao amor de Deus. Qualquer ensino que parta o fio cortante da religião, qualquer ensino que elimine do cristianismo a cruz, qualquer ensino que elimine o tom de advertência e ameaça da voz de Jesus Cristo, qualquer ensino que relegue o juízo a um segundo plano e convide os homens a pensar no pecado com leviandade, é um falso ensino.

(4) Um ensino é falso se separar a religião da vida. Qualquer ensino que separe o cristão da vida e da atividade no mundo é falso. Este foi o engano que cometeram os monges e os ermitões. Sua crença era que para viver uma vida cristã deviam retirar-se ao desterro ou a um monastério, que deviam separar-se da substância absorvente e tentadora vida do mundo, que somente podiam chegar a ser cristãos verdadeiros deixando de viver no mundo.

Quando Jesus orou por seus discípulos, disse: "Não rogo que os tire do mundo, mas que os livres do mal" (João 17:15).

Conhecemos uma jornalista que encontrava muito difícil manter uma vida cristã em seu emprego secular e o abandonou para entrar no trabalho em um periódico puramente cristão.

Ninguém pode ser um bom soldado, fugindo do campo de batalha, e o cristão é um soldado de Cristo. Como poderá a levedura levedar a massa se se negar a ser inserida nesta? De que serve o testemunho se não se oferecer aos incrédulos? Qualquer ensino que estimule o cristão a "observar" a vida, como diz John Mackay, é uma falsa interpretação do cristianismo. O cristão não é um espectador, desde seu balcão, mas sim está comprometido nas lutas cotidianas da existência.

(5) Um ensino é falso se produzir uma religião arrogante e separatista. Todo ensino que estimula o crente a encerrar-se dentro dos limites de uma seita estreita e considerar o resto da humanidade como pecadores, é um ensino falso. A função da religião não é erigir muros de separação, mas sim derrubá-los. O sonho de Jesus foi que houvesse um só rebanho, sob um mesmo pastor (João 10:16). O exclusivismo não é uma qualidade religiosa; é completamente contrário à verdadeira religião. Fosdick cita a seguinte cópia:

Somos os poucos escolhidos de Deus,
Todos os outros se condenam;
Não há lugar no céu para vós;
Nós precisamos do espaço."

A religião tem o propósito de aproximar os homens entre si, não de separá-los. Deve uni-los em uma grande família, e não separá-los em grupos hostis. O ensino que sustenta o monopólio da graça ou a verdade por parte de uma Igreja ou uma seita, é um ensino falso, porque Cristo não deveu dividir, a não ser a unir aos homens.

Estudo sobre Mateus 7:21-23

Esta passagem tem uma característica surpreendente. Jesus está disposto a aceitar que muitos dos falsos profetas farão e dirão coisas maravilhosas e impressionantes. Devemos recordar como era o mundo daquela época. Os milagres eram fatos comuns da vida, e sua frequência em parte deve atribuir-se à concepção da enfermidade que era comum na antiguidade. Na antiguidade todas as enfermidades eram consideradas obra do demônio. Quando alguém adoecia era porque algum demônio tinha conseguido exercer uma influência maligna sobre ele, ou introduzir-se em alguma parte de seu corpo. As curas, portanto, eram feitas mediante exorcismos.

Um dos resultados desta concepção da enfermidade era que muitas das doenças eram o que hoje chamaríamos psicológicas, o mesmo que sua cura. Se alguém conseguia convencer-se de que um demônio se havia possesso dele e o tinha sob seu poder, sem dúvida que caía presa de alguma enfermidade. E se alguém podia convencê-lo de que o poder do demônio sobre ele tinha sido quebrantado, sem lugar a dúvida o homem se curava. Na antiguidade qualquer um podia acreditar que estava possesso por um demônio e em conseqüência estava doente, e também podia acreditar que um bom exorcismo era capaz de expulsar o demônio, e portanto, simultaneamente, de curar a enfermidade.
Os dirigentes da Igreja nunca negaram que os pagãos pudessem fazer milagres. Para competir com os milagres que se atribuem a Jesus, Celso citou milagres atribuídos a Esculápio e a Apolo. Orígenes, que procurou responder a seus argumentos, nem por um momento nega a possibilidade destes milagres "pagãos". Limita-se a afirmar: "Esse poder curativo não é em si mesmo bom ou mau, e está ao alcance de ímpios assim como ao das pessoas honestas" (Orígenes, Contra Celso, 3:22).

Até no Novo Testamento encontramos a referência a um exorcista judeu que acrescentou o nome de Jesus a seu repertório de palavras mágicas, e com sua ajuda expulsava demônios (Atos 19:13). Houve mais de um enganador que, fingindo servir a Jesus, a única coisa que fazia era usar seu nome para produzir resultados maravilhosos nos possessos de demônios que iam a ele para lhe pedir ajuda.

O que Jesus afirma nesta passagem é que ninguém pode usar seu nome, tratando-se de uma impostura, sem que chegue o dia da verdade, quando deverá prestar contas. Ali se conhecerão seus verdadeiros motivos, e será afastado da presença de Deus.

Há nesta passagem duas grandes verdades eternas. Há somente uma forma de demonstrar a sinceridade de alguém, e é na prática. As palavras bonitas jamais servirão como substituto das boas ações. Há uma só prova de amor e é a obediência. Não vale nada dizer que amamos a alguém, se fizermos coisas que sabemos que ofendem mortalmente a quem dizemos amar.

Quando meninos muito provavelmente dissemos a nossa mãe: "Mãe, gosto de você." E é muito provável, também, que nossas mães nos olhassem com muito carinho e um pouco de tristeza, e nos dissessem: "Queria que você o demonstrasse um pouco em seu comportamento." Com muita frequência confessamos a Deus com nossos lábios e o negamos em nossas vidas. Não é difícil recitar um credo, mas sim é difícil viver uma vida cristã. A fé sem uma vida que a expresse é uma contradição de termos. O amor sem obediência é uma impossibilidade.

Atrás desta passagem está a ideia do juízo. Em cada uma de suas partes podemos reconhecer a certeza de que algum dia se ajustarão as contas. É possível que alguém consiga manter a máscara e o disfarce durante algum tempo, mas sempre chega o momento em que toda falsidade fica manifesta, e todo disfarce é arrancado. Possivelmente possamos enganar com nossas palavras aos homens, mas jamais poderemos enganar a Deus. "De longe penetras os meus pensamentos" (Salmo 139:2). Ninguém pode enganar a Deus, que vê o coração.

Estudo sobre Mateus 7:24-27

Jesus era um especialista pelo menos em dois campos. Era um especialista na Escritura. O livro de Provérbios lhe deu a ideia principal que desenvolve nesta passagem: "Como passa a tempestade, assim desaparece o perverso, mas o justo tem perpétuo fundamento" (Provérbios 10:25). Aqui está o germe da imagem que Jesus usou, na qual aparecem duas casas e dois construtores. Mas Jesus também era um especialista no que concerne à vida. Era o artesão que sabia tudo com relação à construção de casas, e quando falava de fundamentos, ou alicerces, sabia perfeitamente bem do que estava falando. Não estamos diante de um exemplo pensado pelo erudito em seu estudo: é o exemplo que nos ofereceria qualquer homem prático.

Nem se trata, tampouco, de uma ilustração rebuscada; é o tipo de coisas que sucedem todos os dias. Na Palestina, quando se edifica uma casa é preciso pensar com antecipação. Há muitos terrenos que no verão são lugares aprazíveis e sombreados, mas no inverno se convertem em esmagadoras correntes de águas. Procurando um lugar para construir sua casa, a pessoa poderia achar um desses terrenos baixos arenosos, bem defendido dos ventos e do sol, e poderia pensar que esse era o lugar mais apropriado para sua edificação. Mas se era pouco previdente, não se daria conta de que sua casa estaria colocada justo no leito seco de um rio sazonal, e que durante o inverno a água a desintegraria. Até em um lugar comum era muito tentador começar a pôr os tijolos sobre o liso chão arenoso sem dar-se ao trabalho de cavar até chegar à rocha; mas assim se preparava o desastre.

Somente a casa cujos alicerces são firmes pode suportar os embates da tormenta. E somente a vida cujo fundamento é firme pode suportar as provas. Jesus exigia duas coisas.

(1) Exigia que os homens o ouvissem. Uma das maiores dificuldades que enfrentamos hoje é que com muita frequência os homens não sabem o que Jesus ensinou, ou o que a Igreja prega. Pior ainda, têm ideias muito erradas do que Jesus ensinou ou do que prega a Igreja. Um dos deveres importantes de toda pessoa honesta consiste em não condenar a uma pessoa ou a uma instituição sem antes tê-la escutado – e isto, precisamente, é o que hoje a maioria não faz. O primeiro passo para uma vida cristã é dar a Jesus uma oportunidade para nos falar.

(2) Exigia que os homens pusessem em prática o que ele dizia. O conhecimento só se torna importante e real para nós quando o traduzimos em ação. Seria perfeitamente possível aprovar com altas distinções um exame de ética cristã na universidade, sem ser cristão. O conhecimento deve transformar-se em ação; a teoria deve passar à prática; a teologia deve chegar a ser vida. Não tem sentido ir ao médico se não estamos dispostos a fazer as coisas que nos vai dizer que façamos. De pouco vale ir a um especialista de qualquer tipo se não estamos preparados para agir segundo suas recomendações. E entretanto, há milhares de pessoas que todos os domingos ouvem os ensinos de Jesus nas Iglesias, e que conhecem perfeitamente bem o que Jesus ensinou, e entretanto, não fazem nem o mais insignificante intento de pôr todo isso em prática. Se tivermos que ser seguidores de Jesus, nossas duas obrigações primeiras são ouvir e fazer.

Há alguma palavra na qual se resuma o significado de ouvir e fazer? Essa palavra existe, é obvio, e é obediência. Aprender a obedecer é o mais importante na vida.

Faz algum tempo pôde ler-se nos jornais a notícia de um marinheiro da Armada Real Inglesa que foi severamente castigado por ter quebrantado importantes disposições regulamentares de sua arma. O castigo foi severo ao ponto que muitos civis pensaram que se exagerou a nota, e assim o manifestaram de diversas maneiras. Um dos periódicos pediu a seus leitores que escrevessem cartas expressando sua opinião sobre o assunto. Um dos que reagiram foi alguém que tinha servido durante muitos anos. Segundo sua opinião, o castigo não era muito severo. Sustentava que a disciplina era absolutamente essencial, pois seu propósito era condicionar o homem a obedecer incondicionalmente e de maneira automática, e desta obediência podia depender até a própria vida do interessado. E citava um caso ocorrido em sua própria experiência. Em certa oportunidade estava a bordo de uma lancha, que rebocava outro navio muito maior e pesado. Este navio estava atado à lancha por meio de um cabo de aço. De repente, no meio do vento e as ondas, ouviu-se a voz do oficial encarregado: "Corpo a terra!" Todos os homens que estavam sobre coberta imediatamente se lançaram ao piso. Nesse mesmo momento estalou o cabo de reboque e seus pedaços açoitaram a coberta como uma serpente de aço enlouquecida. Se algum homem tivesse estado de pé, teria morrido instantaneamente pelo golpe. Mas toda a tripulação obedeceu automaticamente e ninguém saiu machucado. Se alguém parasse para discutir a ordem ou tivesse pedido esclarecimentos, teria sido homem morto. A obediência pode salvar a vida. Esta é a classe de obediência que Jesus exige. Ele afirma que a obediência a suas palavras é o único fundamento firme para a vida; e sua promessa é que toda vida cimentada na obediência a Ele está segura, por fortes que sejam as tormentas que a açoitem.

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