Comentário de Apocalipse 12:1

Comentário de Apocalipse 12:1




Viu-se grande sinal no céu. Um sinal não é absolutamente o próprio objeto, mas sempre nada mais que uma indicação dele.528 Contudo, ao contrário de muitos sinais do Ap, esse é grande em importância e aparece no céu. No v. 3 ele será contraposto a um segundo grande sinal celeste, embora fundamentalmente diferente.
Dificilmente podemos nos esquivar do paralelo com os dois sinais em Is 7.11, embora os de lá tenham procedência oposta, a saber, das alturas e das profundezas. Resta, pois, apenas uma ligação solta e fortuita. Costuma-se mencionar também com frequência os “sinais dos céus” de Jr 10.2, uma expressão que ali, porém, refere-se a corpos celestes. Em Lc 11.16 (e paralelos) os judeus demandam um “sinal do céu”. Entretanto, de acordo com o uso idiomático na época, “sinal” é uma palavra substituta para “ação miraculosa”, a qual deveria acontecer “do céu”, ou seja, por meio de Deus. No presente texto sinal tem o significado de “figura simbólica”. Também o “sinal do Filho do Homem”, de Mt 24.30, que ele próprio representa, não se enquadra tecnicamente no presente texto.
Portanto, João viu esse sinal no (“dentro do”) céu.529 Apesar disso, a mulher vista por ele nitidamente dá à luz sobre a terra, porque seu Filho é arrebatado ao céu. É ali que mais tarde o dragão lançado à terra a persegue e que ela é socorrida pela terra (v. 16), abrigada pelo deserto (v. 6). Para onde, então, João está olhando? Acaso eleva ou inclina o olhar? Primeiramente deve-se observar que João no presente capítulo, ainda que de resto declare a cada momento: “e eu vi”, procede de maneira reservada com a afirmação daquilo que vê. Nos v. 1,3 consta simplesmente: “viu-se um sinal”. A circunstância de que os dois sinais apareceram “dentro do céu” pode significar que ele vislumbra as grandezas simbolizadas não conforme seu aspecto intrínseco histórico, mas numa visão da sua essência, assim como estão somente diante dos olhos de Deus e como devem ser comunicados à igreja. Apesar disso, João está ciente, a cada instante, de que essas duas grandezas sem dúvida alguma se concretizam e efetivam no âmbito da história terrena. Consequentemente, ele está vendo algo no céu – outro dado não consta no texto – porém entende que se refere à terra e à história, descrevendo a visão dentro dessa compreensão. Portanto, ele entende que o que viu tem caráter de sinal.

O grande sinal dentro do céu consiste de uma mulher. Na Antiguidade era costume geral retratar cidades como elegantes personagens femininos. Muitas vezes elas ostentavam a coroa murada, que fazia lembrar a muralha da cidade e na qual cada gema representava uma torre de defesa. Também essa mulher trazia uma coroa com doze pedras que brilhavam como estrelas. Desta maneira era possível dirigir-se de forma pessoal a uma cidade ou a um reino, como se fosse uma mulher abatida, uma mãe, uma filha ou virgem, ou também como a uma prostituta. A figura da “mãe” era aplicada em relação aos diversos moradores da terra ou também diante das cidades filiais, às quais tinha “dado à luz”. O uso terminológico é bem conhecido dos leitores da Bíblia. Em Lc 19.44 Jesus interpela Jerusalém como “tu e teus filhos”. A prostituta Babilônia é, p. ex., a mãe de muitas outras prostitutas (Ap 17.5).
Essa mulher é a mãe do Messias (v. 5) e de outra grande descendência (v. 17), a saber, os que crêem em Cristo. Por causa desse último aspecto de forma alguma trata-se de Maria, como ensinava a exegese católica, que nesse texto venerava Maria como rainha do céu, promovendo sua ilustração em inúmeros quadros. Será que devemos pensar na igreja do nt? “A mulher é a igreja. Ela deveria dar Cristo ao mundo através de seu testemunho.”530 Contudo, conforme Ap 11.3, o tempo do testemunho começa somente com os “mil duzentos e sessenta dias”, uma época que segundo Ap 12.6 principia somente depois do nascimento e exaltação do Messias. Por causa da vinculação dos “mil duzentos e sessenta dias” ao período da exaltação do Cristo até sua volta em glória também se descarta a interpretação de que a mulher seria um povo judaico convertido no final desse período.531
Resta unicamente uma explicação: a mulher nos v. 1,2 é a Jerusalém que espera pelo Messias, no sentido do povo de Deus do at.532 Com freqüência lemos a respeito de suas “dores de parto” (Is 26.17,18; 66.7,8; Jr 4.31; Mq 4.9,10; 5.3; etc.). O judaísmo falava das “dores de parto do Messias”. Simultaneamente transcorre uma linha de sentido profundo até Eva em Gn 3.15. Os conceitos combinados “mulher – serpente – inimizade de morte – semente” tanto lá como aqui não podem passar despercebidos. Afinal, aqui está sendo dado à luz “aquele” (em Gn 3.15 aparece o singular!) que esmaga a cabeça da serpente, ou seja, que vence a Satanás. Como esse Messias é nascido de Israel, Eva e Israel convergem nessa ilustração.533 Israel é, portanto, a mãe do Messias, e, conseqüentemente, também a mãe de todos os fiéis (de acordo com o v. 17).
Essa mulher é ornada através de seu marido (Iahweh; cf. Is 61.10; Ap 19.7; 21.2). João a vê em esplendor divino, rodeada de tudo o que o céu tem a oferecer de luz. De modo semelhante é vista a amada em Ct 6.10: vestida do sol, o símbolo cósmico da glória luminosa de Deus. A característica solar também faz parte do aspecto de Cristo (Ap 1.16; também Ap 10.1). Em decorrência, a mulher está rodeada do brilho da majestade de Deus e de Cristo. E a lua debaixo dos pés. Ao contrário do sol, os antigos relacionavam esse satélite terrestre mais intensamente com a terra, em vista de sua proximidade maior do planeta, de suas forças telúricas que movem a natureza e de suas influências vigorosas sobre nossa vida orgânica. Talvez nessa vida a glória da criatura se contraponha à glória dos céus. Também a glória da criatura é devida a essa mãe do Messias. Sobre sua cabeça ela traz uma coroa de doze estrelas. Acaso ela devia apontar para os doze patriarcas de Israel, em consonância com Gn 37.9? Nesse caso se somaria à majestade dos céus e da terra também a da história da salvação.534





528 O termo grego semeía (sinal) é da mesma família que semaíno, cf. o comentário a Ap 1.1. Todo o livro do Ap, portanto, é um livro de sinais, ainda que o substantivo seja usado apenas em Ap 12.1,3; 15.1. Também no evangelho de João “sinal” é uma palavra preferencial, contudo na acepção de “milagre”. Nesse sentido também retorna em Ap 13.13,14; 16.14; 19.20.
529 A tradução “no céu” [fixado ao céu] parece ser comandada pelo desejo de encontrar correlações para uma mitologia dos astros. O texto não induz à idéia de que tudo se desenrola no firmamento dos astros. Por que se deve traduzir aqui en tõ ouranõ de modo diferente que em Ap 4.2 e, depois, repetidas vezes? A luta com Miguel realizou-se dentro do céu (Ap 12.7), o dragão perdeu seu lugar dentro do céu (Ap 12.8), a saber, “perante Deus” (Ap 12.10), assim como João também ouviu uma voz dentro do céu (Ap 12.10) e predomina a alegria dentro do céu (Ap 12.12).
530 Assim entendem Jörg Zink, e, de forma análoga, Lilje, Zahn, Lohmeyer.
531 Schuhmacher, Tausendjähriges Reich, pág. 175-176, expõe: A mulher seria “indubitavelmente o Israel escatológico” (referindo-se à na fase final do fim dos tempos), pois os símbolos de Ap 12.1 estariam apontando para a família de Jacó; na Escritura “mulher” seria “consistentemente uma metáfora para Israel”; a incumbência de pastorear as nações com cajado de ferro (Ap 12.5) seria a tarefa de Israel no reino dos mil anos; e o “deserto” (v. 6) apontaria para o Oriente Médio.
532 Também em Ap 11.1,2 João referiu-se respeitosamente ao papel de Israel na história da salvação. Cf. a posição de Paulo quanto ao papel dos israelitas: “deles descende o Cristo, segundo a carne” (Rm 9.5).
533 Ao que parece, essa combinação de ideias não era desconhecida, porque no livro de Enoque o Messias é chamado de “Filho da descendência da mãe dos viventes”. Igualmente está comprovado, em relação a ele, o uso de “Filho de Mulher” (segundo Bill i, pág. 957).
534 Por princípio não é conveniente destacar formulações isoladas de uma descrição assim, interpretá-las à parte e depois recompô-la artificialmente. A exegese precisa preservar a imagem unitária, assim como João a viu e testemunhou, a cada momento.

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Apocalipse 12:1