Comentário de F.F Bruce: Romanos 1:18-32

LIVRO DE ROMANOS, ESTUDO BIBLICO, TEOLOGICO2. Pecado e Retribuição: Diagnóstico da Necessidade Universal (1:8-3:20).

a. O mundo pagão (1:18-32).

Antes de Paulo desenvolver mais o modo pelo qual a forma de justiça de Deus é exposta no Evangelho, ele mostra por que é tão urgentemente necessário que se conheça o meio de ficar certo para com Deus. Como as coisas são, os homens estão “no erro” para com Deus, e Sua ira se revela contra eles. Na vida há uma lei moral segundo a qual os homens são deixados entregues às consequências do curso de ação que eles mesmos escolheram livremente. E a menos que essa tendência seja invertida pela graça divina, a situação deles irá de mal a pior. Três vezes aí ocorrem as palavras de condenação: “Por isso Deus os entregou...” (vs. 24, 26,28). O objetivo de Paulo é demonstrar que a humanidade toda está moralmente arruinada, incapaz de conseguir um veredito favorável no tribunal do juízo de Deus, em desesperada necessidade de Sua misericórdia e perdão.

Ele começa tratando de uma área da vida humana cuja falência moral era objeto de acordo geral entre os moralistas da época — a grande massa do paganismo contemporâneo de Paulo. O quadro que desenha é feio deveras. Não porém mais feio do que o quadro que disso vemos na literatura paga contemporânea. Qual é a causa, pergunta ele, desta pavorosa condição que se desenvolveu no mundo? Donde vêm estas vergonhosas perversões, esta encarniçada inimizade entre homem e homem? Tudo surge, diz ele, de idéias errôneas a respeito de Deus. E essas idéias errôneas acerca de Deus não surgiram inocentemente. O conhecimento do Deus verdadeiro era acessível aos homens, mas eles fecharam suas mentes para ele. Em vez de apreciarem a glória do Criador ao contemplarem o universo que Ele criou, davam a coisas criadas aquela glória que pertencia somonte a Deus. A idolatria é fonte de imoralidade. Assim o autor de Sabedoria já tinha dito:

“Porque a idéia de fazer ídolos foi o princípio da fornicação, e a sua invenção foi a corrupção da vida.” (Livro da Sabedoria 14:12.)

Podemos comparar a linguagem de Paulo sobre a criação visível como fonte de conhecimento concernente à natureza do seu Criador invisível (vs. 19, 20) com o discurso que fez em Listra (At 14:15-17) e principalmente com o que fez em Atenas (At 17:22-31). Há diferença de ênfase entre o discurso em Atenas e a argumentação neste passo, mas não há nenhuma contradição: Paulo estava tentando conseguir ali um auditório de pagãos, ao passo que aqui está escrevendo a cristãos formados. No discurso em Atenas, a apresentação da criação divina do mundo e de Sua disposição providencial das estações do ano e das regiões habitaveis da terra para o bem-estar do homem visava a levar os homens a “buscarem a Deus” e a achá-lo (At 17:27). Todavia, se eles reconheciam que Ele é um “Deus desconhecido” deles, sua ignorância confessa não recebe indulto como venial, embora Deus, em Sua misericórdia, não tenha levado “em conta os tempos de ignorância” anteriores à vinda de Cristo.

O caráter culposo da ignorância em que o homem está de Deus é salientado ainda mais aqui: é ignorância deliberada. Os homens tinham o conhecimento de Deus ao alcance deles, mas desprezaram o conhecimento de Deus (vs. 28). A verdade era-lhes acessível, mas preferiram abraçar a “mentira”. Portanto, “Deus os entregou” às consequências da escolha que fizeram. E precisamente aí Ele manifestou Sua “ira” — aquele princípio de retribuição que deve operar num universo moral.

Para um homem tão convicto de que o mundo foi criado e é dirigido por um Deus de justiça e misericórdia, esta retribuição não podia ser um princípio impessoal. Era a própria ira de Deus. Se se pensa que a palavra “ira” não é muito apropriada para usar-se com relação a Deus, é provavelmente porque a ira, como a conhecemos na vida humana, constantemente envolve paixão egocêntrica, pecaminosa. Com Deus não é assim. Sua “ira” é a reação da santidade divina face à impiedade e rebelião. Paulo decerto concordaria com Isaías ao descrever esta ira de Deus como “sua obra estranha” (Is 28:21), à qual Ele se aplica lentamente e com relutância. De fato, Paulo expõe aqui a revelação da ira de Deus como o cenário de fundo da “obra” de misericórdia de Deus, obra que Lhe é apropriada, com tanta afinidade com o Seu caráter que Ele se apressa com jubilosa rapidez a prodigalizá-la a penitentes destituídos de merecimento.

Mas mesmo tendo em vista que o quadro da retribuição divina, agindo como um severo princípio na vida humana, fornece um pano de fundo para a misericórdia eterna, trata-se de um cenário real e terrível, que deve ser considerado com seriedade.

Fonte: Epistle of Paul to the Romans de F. F. Bruce. M.A., D.D. Catedrático de Crítica Bíblica e de Exegese Bíblica na Universidade de Manchester (Rylands)