Comentário de João Calvino: João 1:13

Quem não nasceram do sangue. Alguns pensam que uma referência indireta é aqui feita à confiança absurda dos judeus, e de bom grado adoto essa opinião. Eles tinham continuamente em sua boca a nobreza de sua linhagem, por assim dizer, porque eles eram descendentes de um grupo de santos, e assim eram naturalmente santos. E, justamente, eles poderiam ter se vangloriado de sua descendência de Abraão, se tivessem sido filhos legais, e não bastardos; mas o brilho da fé atribui nada à geração carnal, mas reconhece a sua obrigação para com a graça de Deus apenas, por tudo que é bom. João, por isso, diz que os entre os gentios anteriormente imundos, mas que creem em Cristo, não nascem filhos de Deus desde o ventre, mas são renovados por Deus, para que possam começar a ser seus filhos. A razão pela qual ele usa a palavra sangue no plural parece ter sido, para que pudesse expressar mais plenamente uma longa sucessão de linhagem, porque esta era uma parte da vanglória entre os judeus, que poderiam traçar a sua ascendência, por uma linha ininterrupta, até os patriarcas.

A vontade da carne e a vontade do homem parecem pra mim se referir a mesma coisa; pois eu não vejo razão do porque a carne deva significar mulher, como Augustinho e muitos outros explicam. Ao contrário, o Evangelista repete a mesma coisa em uma variedade de palavras, a fim de explicá-la mais plenamente, e a expressa mais profundamente na mente dos homens. Embora ele se refira diretamente aos Judeus, ainda assim dessa passagem uma doutrina geral pode ser obtida: que nosso reconhecimento como filhos de Deus não pertence a nossa natureza, e não procede de nós, mas porque Deus nos gerou voluntariamente (Tiago 1:18) ou seja, do amor imerecido. Portanto seguisse, primeiro, que a fé não procede de nós mesmo, mas é um fruto da regeneração espiritual; pois o Evangelista afirma que nenhum homem pode acreditar, a menos ele seja nascido de Deus; e, portanto, a fé é um dom celestial. Seguisse, secundariamente, que a fé não é um mero e frio conhecimento, visto que nenhum homem pode crer se não tiver sido renovado pelo Espírito de Deus.

Pode ser pensado que o Evangelista troca a ordem natural por fazer a regeneração preceder a fé, ao passo que, ao contrário, é um efeito da fé, e, portanto, deve ser colocado depois. Eu respondo que ambas as afirmações concordam perfeitamente; porque pela fé nós recebemos a semente incorruptível, (1 Pedro 1:23) pela qual nós nascemos de novo para uma vida nova e divina. E ainda assim a própria fé é uma obra do Espírito Santo, que habita em ninguém a não ser nos filhos de Deus. Portanto, e vários sentidos, a fé é uma parte de nossa regeneração, e a entrada no reino de Deus, para que Ele possa nos considerar seus filhos. A iluminação de nossas mentes pelo Espírito Santo pertence a nossa renovação, e assim a fé vem da regeneração como fonte; mas visto que é a mesma fé que nós recebemos Cristo, que nos santifica pelo seu Espírito, por esta razão nos é dito como sendo o início de nossa adoção.


Uma outra solução, ainda mais plena e fácil, pode ser oferecida; pois quando o Senhor sopra fé em nós, ele nos regenera por meios que ainda são desconhecidos e escondido de nós; mas depois de termos recebido fé, nós percebemos, pelo sentimento vívido da consciência, não apenas a graça da adoção, mas também a novidade de vida e outros dons do Espírito de Deus. Pois visto que a fé, como temos dito, recebe a Cristo, nos coloca em possessão, por assim dizer, de todas as suas bênçãos. Portanto, até onde sabemos, é apenas depois de termos crido – que nós começamos a ser filhos de Deus. Mas se a herança da vida eterna é o fruto da adoção, nós vemos como o Evangelista aponta a nossa inteira salvação para Cristo apenas; e, de fato, quão próximo qualquer homem possa se examinar, ele não achará nada que seja digno de ser filho de Deus, exceto o que Cristo tem derramado sobre eles.