Introdução Geral ao Evangelho de Mateus

MATEUS, EVANGELHO, GERAL, INTRODUÇÃO
Introdução Geral ao Evangelho de S. Mateus
INTRODUÇÃO


Nosso conhecimento deste Evangelho vem por meio dos códices do Novo Testamento, escritos em pergaminhos do IV e V séculos A. D., de fragmentos escritos em papiros de data mais antiga, de versões primitivas, como por exemplo a Siríaca e a que se chama Latina Antiga, e de citações dos escritores patrísticos desde o século II de nossa era. Os problemas relacionados com o texto e sua transmissão são os mesmos que se aplicam ao Novo Testamento em geral.

I. AUTORIA

Em comum com os outros três Evangelhos, este livro é anônimo. Entretanto, o nome do apóstolo Mateus (Mt 9.9 e Mt 10.3) se associa com ele desde o século II. Existem na História Eclesiástica, de Eusébio, escrita cedo, no século IV, citações de Papias, bispo no século II (3.39), de Irineu, bispo de Leão, no século II (5.8,2) e de Orígenes, grande teólogo do século III (6.25). Todos estes concordam em afirmar que este Evangelho foi escrito por Mateus, para cristãos hebreus, na língua hebraica. Sem dúvida, estes escritores queriam dizer aramaico. Eusébio acrescenta o testemunho da sua corroboração duas vezes em seu livro histórico (3.24,6 e 5.10,3). Apesar de tantas evidências dum original aramaico, dele não existe o menor vestígio. As primeiras citações do Evangelho são em grego e não há qualquer teólogo em nossos dias que duvide de que o Evangelho, escrito no grego de sua forma atual, existisse na segunda parte do primeiro século. Embora não levando o nome do autor, o Evangelho fornece pelo menos uma evidência interna que confirma sua autoria tradicional. A história da chamada de Mateus, em Mt 9.9, é seguida da narrativa de uma refeição a qual Jesus compareceu em companhia de publicanos e pecadores (Mt 9.10 e segs.). O trecho começa com as palavras kai egeneto autou anakeimenou en te(i) oikia(i) (Mt 9.10). Visto que as últimas três palavras significam "em casa", o trecho sugere que a refeição fosse oferecida na casa de Jesus. Entretanto, o trecho paralelo em Mc 2.15 indica claramente que a festa teve lugar na casa de Levi, isto é, Mateus. O texto em Marcos reza assim: en te(i) oikia(i) autou, na casa dele. O sentido alternativo de Mt 9.10 é que "em casa" quer dizer "na minha casa", isto é, na do autor, e isto concorda plenamente com Marcos e com os fatos apresentados por ambos os evangelistas. Esta frase serve, então, para identificar o autor.

II. ORIGENS DO EVANGELHO

A hipótese predominante entre teólogos atuais é que o Evangelho de Marcos foi escrito primeiro do que Mateus e Lucas, cujas obras se baseiam em parte sobre Marcos, de onde foram hauridos trechos inteiros, com variantes editoriais e, em parte, sobre outros documentos, agora desconhecidos, que lhes foram acessíveis. Não há certeza sobre o ponto. A evidência em favor da hipótese encontra-se na bem conhecida obra de Streeter, The Four Gospels. Consultar também o artigo geral Os Quatro Evangelhos. Podemos concordar que os principais ensinos do Senhor, tanto como os fatos concernentes a Sua vida, ministério, morte e ressurreição foram transmitidos pelos cristãos primitivos na forma de uma tradição oral. É provável que esta tradição fosse conservada numa forma inalterada, pelo seu uso como catecismo de batizandos. O prefácio ao terceiro Evangelho confirma que diversas pessoas procuraram, naquele período, incorporar esta tradição em forma escrita (Lc 1.1-2).

É bem compreensível que os escritores cristãos, inclusive os evangelistas, aproveitaram tais originais orais e escritos. Há, porém, outras considerações com respeito ao primeiro Evangelho. Se o autor for Mateus, foi ele testemunha ocular do muito que relata, o que não foi o caso dos outros dois evangelistas sinóticos. A tradição de que ele escreveu em aramaico é possivelmente baseada em notas compostas por ele, ou memorandos das palavras do Nosso Senhor, em sua língua materna que serviam para seu próprio uso e para aqueles a quem pregava. Não devemos excluir a possibilidade da preparação de tais notas no tempo do ministério do Senhor, nem da probabilidade do seu uso geral como base de muitas tradições subsequentes, tanto orais como escritas.

Cf. O Tema Principal da Epístola aos Hebreus
Cf. O Perigo da Incredualidade
Cf. Qualificação e Obra de Jesus como Sumo Sacerdote
Cf. O Ministério de João Batista

Parece certo que pelo menos no II século o Evangelho segundo S. Mateus já ocupava o primeiro lugar entre os quatro. Alguns pensam que a inferência natural é que naquela época este Evangelho era considerado como o primeiro a ser escrito. Dois fatos possibilitam esta teoria. Primeiro, que o Evangelho foi escrito para os cristãos hebreus da Palestina, que constituíram as comunidades cristãs mais primitivas. A evidência interna disto é forte e repousa em certos fatos, como as referências a Jerusalém como a "Cidade Santa", a menção do sinédrio e dos concílios da sinagoga, o notável respeito dado à lei mosaica, a linguagem rabínica de Mt 16.19 e Mt 18.18 e, principalmente, o uso das profecias do Velho Testamento. O segundo fato que contribui para dar primeiro lugar a este Evangelho segue logicamente o primeiro. Constitui uma forte conexão com o Velho Testamento e dessarte uma introdução apropriada ao Novo. Logo no começo se refere ao Velho Testamento, citando Davi e Abraão como antepassados de Jesus Cristo. É notável também que muito do grande discurso que conhecemos como o Sermão da Montanha, que constitui, pela sua posição no Novo Testamento, o alicerce da ética cristã, apresenta uma minuciosa explanação da relação que existe entre a ética do novo evangelho e a da lei. Em todos os primeiros manuscritos gregos do Novo Testamento, este Evangelho ocupa o primeiro lugar entre os quatro e, na maioria, os Evangelhos se encontram no começo do Novo Testamento.

III. O PROPÓSITO DO EVANGELHO

É patente que o propósito do evangelista é apresentar em ordem a história do nascimento, ministério, paixão e ressurreição de Jesus Cristo. Ele agrupa seus fatos a redor de cinco grandes discursos de Nosso Senhor: o Sermão da Montanha (Mt 5.1-7.27); a comissão aos apóstolos (Mt 10.5-42); as parábolas (Mt 13.1-53); o discurso sobre a humildade e o perdão (Mt 18.1-35); e o discurso apocalíptico (Mt 24.1-25.46). O evangelista indica esta divisão pela repetição da mesma fórmula, ao fim de cada discurso: "E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso...". Os trechos que intervêm contam dos milagres e outros acontecimentos que seguem certa ordem, que facilita ao leitor fixá-los de memória. O trecho inicial, antes do primeiro discurso (Mt 1-4) consiste da narrativa do nascimento e infância de Jesus, o ministério de João Batista, o batismo e tentação do Senhor, e uma introdução geral ao seu ministério. O clímax da paixão e ressurreição segue logo o último dos cinco discursos. O evangelista cita freqüentemente versículos tirados das profecias do Velho Testamento e, de fato, interpreta essas profecias como tendo cumprimento em Jesus Cristo; tudo é interpretado de um modo que seria para o judeu palestino do I século prova incontestável, a qual a igreja cristã tem adotado.

Os trechos seguintes são peculiares a S. Mateus: a narrativa do nascimento e da infância (Mt 1.18 a Mt 2.23); a introdução geral ao ministério na Galiléia (Mt 4.23-25); a referência a Is 53.4 (Mt 8.17); a cura dos dois cegos e um mudo endemoninhado e a alusão às ovelhas que não têm pastor (Mt 9.27-38); o convite aos cansados e oprimidos (Mt 11.28-30); a referência a Is 42.1-4 (Mt 12.15-21); a parábola do trigo e do joio e do tesouro escondido, a da pérola de grande valor, e a da rede lançada ao mar (Mt 13.24-30,34-50); a referência geral ao ministério da cura (Mt 15.29-31); a descoberta do dinheiro na boca dum peixe (Mt 17.24-27); o ensino sobre as crianças e anjos de guarda (Mt 18.10-11); os ensinos a respeito da reconciliação, oração e perdão (Mt 18.15-35); o ensino sobre eunucos (Mt 19.10-12); a parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1-16); a parábola dos dois filhos (Mt 21.28-32); a censura aos fariseus (23); certos trechos do discurso apocalíptico, que é muito mais amplo neste do que nos outros Evangelhos sinóticos (24); a parábola das dez virgens (Mt 25.1-13); o juízo dos bodes e ovelhas (Mt 25.31-46); o suicídio de Judas (Mt 27.1-10); a ressurreição dos santos (Mt 27.52-53); a guarda posta ao sepulcro (Mt 27.62-66); o boato falso do roubo do corpo de Jesus e a grande comissão (Mt 28.11-20).

O evangelista exibe um estilo literário que lhe é peculiar, cuja característica mais notável é a falta de pormenores na descrição dos feitos. As narrativas são geralmente sumárias e os detalhes se entrosam. Vê-se claramente esta tendência comparando as histórias da cura do criado do centurião (Mt 8.5-13); e da ressurreição da filha de Jairo (Mt 9.18-26), com os trechos paralelos em Lucas. A formação e a apresentação de Mateus são fundamentalmente simétricas.