Introdução Bíblica: Livro de Malaquias

Introdução


Malaquias, o último dos pequenos livros que constituem juntos o “Livro dos Doze” (Profetas Menores), conclui a segunda seção do cânon da Bíblia hebraica (cf. Cânon do AT, p. 48) e está intimamente ligado com Ageu e Zacarias, com os quais nos dá um vislumbre do período pós-exílico do judaísmo, que, no mais, é um tanto obscuro para nós.

Alguns autores sugerem que Malaquias era originariamente uma continuação de Zc 9—14 (cp. as fórmulas de introdução semelhantes em Zc 9.1; 12.1 e Ml 1.1), mas isso é incerto. Apesar desse vínculo literário evidente e do problema da falta de conhecimento acerca do autor, o livro traz a marca de uma personalidade única e não está associado em nenhum outro aspecto teológico com Zc 9—14.

Um elo mais certo se estabelece com o período histórico narrado pelos livros de Esdras e Neemias (v. a seguir, Data). Embora não seja o último livro na Bíblia hebraica, no cânon protestante moderno está no fim do Antigo Testamento e sempre foi compreendido como um elo entre os dois Testamentos. Não é sábio forçar em demasia essa ideia, em vista da diferença entre a ordenação dos livros na Bíblia hebraica e em português, mas isso parece particularmente adequado em virtude da importante referência ao arauto do Messias em Ml 3.1 (aplicada ao ministério de João Batista pelo N T; Mc 1,2; M t 11.10) e também ao ministério escatológico de Elias em 4.5 (cf. 9.11-13).

Autor

Não sabemos absolutamente nada acerca do autor, exceto o que é revelado acerca da sua personalidade por meio desse livro. Como no caso de Obadias e Habacuque, os nomes dos seus pais e seu local de origem não são revelados, tampouco sua profecia está associada no sobrescrito a alguma época específica da história de Israel (embora as evidências internas tornem clara a data aproximada; cf. a seguir). Até mesmo o nome do profeta é incerto, pois “Malaquias” significa simplesmente “meu mensageiro” (assim traduzido em 3.1) e, em vista da sua ausência como nome próprio no restante do AT, é considerado por alguns eruditos um pseudônimo ou o título de um editor.

Esse parece ter sido o ponto de vista do tradutor grego que produziu essa parte da Septuaginta, que traz “seu mensageiro”, embora o Targum de Jônatas (uma paráfrase aramaica dos livros proféticos datada do século IV ou V d.C., mas que contém tradições muito mais antigas) lhe atribua (com uma identificação rabínica caracteristicamente improvável) o nome “Esdras, o escriba” (assim Jerônimo e Calvino). Toda a questão, em última análise, é controversa e talvez não seja importante; mas é possível que esse nome desconhecido em outros contextos, Malaquias, tenha sido de fato o nome real do profeta.

Data

Uma data geral do livro pode ser estabelecida em algum período após o retorno dos judeus exilados para Jerusalém, i.e., o período geral de Esdras e Neemias. Há indicação disso na menção de “seu governador” (heb. pehãh) em 1.8, a mesma palavra usada por Ageu para descrever Zorobabel (1.1) e em Neemias para indicar a posição do pró­prio Neemias (5.14). Alguns sugerem que a ausência de qualquer referência à reconstru­ção do templo e a impressão de uma tendência para atitudes descomprometidas com o culto sejam indicações de que algum tempo havia passado desde a reconstrução (cf. J. Baldwin, Haggai, Zechariah, Malachi, p. 213). As atividades e cerimônias no templo já foram retomadas há tanto que os sacerdotes já tiveram tempo de ficar cansados com as suas realizações regulares (1.13), e algumas irregularidades se introduziram sorrateiramente (1.7,8,12-14; 3.8,9). A ausência de qualquer referência às reformas de Esdras e Neemias parece indicar uma data anterior à sua chegada, talvez até preparando o caminho para o sucesso do ministério tão importante desses líderes. Isso resultaria numa data aproximada de 470-465 a.C. ou (se Esdras deve ser datado após Neemias, cf. p. 524-5) c. 445-433, mas essas datas são aproximadas na melhor das hipóteses.

Estrutura

A característica literária fundamental do livro é o uso do método do debate, que introduz cada seção principal. Assim, há geralmente uma afirmação introdutória (e.g., “‘Eu sempre os amei’, diz o Senhor”, 1.2), seguida de uma pergunta, com freqüência uma objeção ou resposta colocada na boca dos ouvintes do profeta (“Mas vocês perguntam: ‘De que maneira nos amaste?’”), que por sua vez é seguida de uma ampliação do tema e reforço do ponto do debate (cp. Is 40.27,28; Jr 2.23-37; Ez 12.21-28; Mq 2.6-11). As palavras colocadas na boca dos oponentes do Senhor não devem necessariamente ser consideradas declarações reais dos ouvintes; antes, representam as atitudes e ações do povo como o profeta as entende.

Dessa forma, ele expõe claramente aos ouvintes a verdadeira identidade deles, sua rebeldia contra Deus e sua necessidade de arrependimento. O estilo de Malaquias é, então, o da palavra falada. O livro é muito semelhante à carta de Tiago no N T e lembra uma coletânea de oráculos vagamente conectados mais do que uma obra literária cuidadosamente organizada, embora alguns eruditos tenham encontrado nele uma progressão lógica de ideias. Os seus oráculos (1.2-5; 1.6— 2.9; 2.10-16; 2.17—3.5; 3.6-12; 3.13—4.3) são introduzidos por um cabeçalho ou título (1.1) e concluídos por um epílogo (4.4-6), Os últimos três versículos talvez sejam um acréscimo editorial, com a intenção de dar ao livro dos profetas uma conclusão, embora o estilo esteja em harmonia com o restante do livro e possa evidentemente ter vindo da mão do próprio profeta.

Mensagem

A forma literária que Malaquias usa, o diálogo ou debate, reflete o seu estilo de vida profético. Ele não se contenta em meramente anunciar a palavra de Deus de forma mecânica a seus discípulos; antes, ele quer levar a mensagem de Deus à praça pública, confrontando homens e mulheres na sua negligência de Deus e de seus caminhos, ou na sua rebeldia declarada à lei divina. Assim, ele se empenha em debater com aqueles que questionam a bondade ou a justiça de Deus, seja por palavra, seja pela vida — em vez de evitar o desconforto do confronto aberto.

A mensagem de Malaquias está centrada na fidelidade de Deus em contraste com a infidelidade do seu povo. Ele estabeleceu um relacionamento de pai e filho com Israel (1.6; 3.17) e deseja o melhor para os seus filhos (3.10-12). Mas Israel tem desdenhado constantemente esse relacionamento e foi um completo fracasso por não viver à altura dos termos da aliança de Javé. Tanto sacerdotes (2.8) quanto o povo (2.10) violaram a aliança. Em vez de responderem com alegria à bondade de Javé, eles têm sido infiéis a ele e deixado de lhe dar o melhor, como prescrevia a Lei, na sua adoração e culto a Deus (1.13, 14); e não têm obedecido à ordem acerca da entrega dos seus dízimos e ofertas (3.8). Na verdade, eles desprezaram o Senhor (1.16). E, por terem fracassado no seu relacionamento de aliança com Javé, também fracassaram nos seus relacionamentos humanos. O exemplo máximo do seu fracasso nos relacionamentos está na alta incidência de divórcios (2.14-16), a violação da aliança humana mais importante.

Por isso, o profeta chama o povo ao arrependimento (3.7,10 etc.), para que se volte do seu pecado a Deus, que está ansioso por abençoá-lo. O Senhor é um pai amoroso para com Israel; mas ele é também senhor e Rei (1.6,14), um Deus de justiça (2.17). E o seu julgamento é certo. O dia da sua justiça está chegando, e então ficará claro para todos que a lealdade e a justiça não foram esquecidas pelo Senhor, e uma nova ordem de equidade vai prevalecer (3.1-5,16-18 etc.). Uma ilustração concreta de que Deus ainda está no controle da história, que ele ama seu povo e que não permitirá que a infidelidade fique impune é o destino recente dos edomitas (1.2- 4). Os problemas presentes que o povo está experimentando também são sinais desse juízo vindouro (1.6—2.9; 3.7-12); mas o pior — e o melhor — ainda estão por vir. Malaquias também nos dá uma bela descrição do sacerdote ideal (3.5-7), retrata as bênçãos da obediência (3.10-12,16,17; 4.2,3) e reforça o conceito do dia do Senhor no AT com a figura de um precursor designado por Deus (3.1-4; 4.5, 6).

Bibliografia

Baldwin, Joyce G. Haggai, Zechariah, Malachi: An Introduction and Commentary. InterVarsity Press, 1972. Hill, Andrew E. Malachi: A Handbook on the Hebrew Text. Baylor University Press, 2012. Merrill, Eugene H. Everlasting Dominion: A Theology of the Old Testament. B&H Academic, 2006. Verhoef, Pieter A. The Books of Haggai and Malachi. Eerdmans, 1987. McComiskey, Thomas Edward. The Minor Prophets: An Exegetical and Expository Commentary. Baker Academic, 2009. Mounce, Robert H. The Book of Malachi: New International Commentary on the Old Testament. Eerdmans, 1998.