Comentário de Atos 1:1

INTRODUÇÃO – Sendo Lucas o escritor predominante deste relato historio sobre a expansão do cristianismo e o fundamento da primitiva congregação cristã, veremos neste livro a continuação dos evangelhos, em especial a do relato segundo Lucas, onde nos relata a vida e a obra do Senhor Jesus Cristo, bem como agora se dedica a dar um relato cabal dos eventos pós-ascenção do Senhor aos céus, e a obra levada às outras nações pelos ATOS DOS APÓSTOLOS.
A promessa do Espírito Santo (Atos 1:1-5)


O primeiro relato... (Gr.: ton men prōton logos) Com suas palavras iniciais, Lucas lembra a Teófilo sobre a sua primeira obra que ele escrevera a respeito da vida e dos ensinos de Jesus Cristo. Este primeiro relato, que ele menciona aqui, se refere à não outro do que seu próprio evangelho. Portanto, o livro de atos dos apóstolos, pode se dizer, é uma continuação do evangelho de Lucas. O texto de referência neste trecho do versículo aponta justamente para Lucas 1:3 onde lemos: "Também eu, tenho pesquisado todas as coisas com exatidão, desde do início, resolvi escrevê-las para ti em ordem lógica, excelentíssimo Teófilo." Também este significado fica evidente em outras traduções que rezam: "No primeiro livro que escrevi [o evangelho de Lucas], contei tudo o que Jesus fez e ensinou desde o começo de seu trabalho." -- Atos 1:1 NTLH.

O termo usado aqui por "primeiro", referindo-se ao evangelho de Lucas, não quer dizer que ele foi o primeiro evangelho a ser escrito, uma vez que o evangelho do apóstolo Mateus teve sua obra completada em 41 EC, e a obra de Lucas em 66-68 EC. Algumas traduções Americanas traduzem a palavra "primeiro" (Gr.: protos) por "former", como é o caso da King James Version, American Standard Version e Murdoke. Essa palavra em Inglês significa "anterior, prévio" e "primeiro de duas coisas mencionadas". (Oxford Escolar, Inglês-Português) O termo grego, prōton, não significa necessariamente o primeiro no sentido absoluto. Portanto, levando em consideração o próprio significado da palavra esboçada acima, nós percebemos que Lucas aqui estava falando "da primeira de duas coisas mencionadas", que é de sua primeira obra (Evangelho de Lucas) em comparação com sua segunda obra (Atos dos Apóstolos). É importante analisarmos isso, visto que algumas traduções dão a entender que Lucas foi quem escreveu o primeiro evangelho.

Veja dois exemplos:

(LITV) "De fato, O Teófilo, Eu fiz o primeiro relato concernente a todas as coisas que Jesus principiou tanto a fazer como a ensinar." (MKJV) "Verazmente, O Teófilo, Eu fiz o primeiro relato com respeito a todas as coisas que Jesus principiou tanto a fazer como a ensinar."

Algumas versões modernas que dão o sentido correto deste texto:

(CEV) "Eu primeiro escrevi a você sobre tudo que Jesus fez e ensinou." (Obs: Mas agora escreveria sobre os atos dos apóstolos após a ascensão de Cristo)

(GNB) "Prezado Teófilo: No meu primeiro livro." (obs: O evangelho de Lucas)

(ISV) "No meu primeiro livro." (Que eu escrevi a você sobre a vida de Jesus Cristo. -- Lucas 1:3.)
Comentando sobre a parte introdutória do livro de Atos, Dr. Thomas L. Constable observa: "Lucas escreveu essa afirmação introdutória para conectar o Livro de Atos com seu evangelho. Neste primeiro livro Lucas tinha registrado o que Jesus tinha principiado a fazer durante Seu ministério terrestre. No seu segundo livro ele escreveu o que Jesus continuou fazendo para construir através do Espírito que mora nos Cristão. (cf. João 14:12)." – Notes on Acts de Dr. Thomas L. Constable.

Teófilo... (Gr.: Theophilos) Este nome significa "amado por Deus; amigo de Deus". A pessoa a quem Lucas dirigiu tanto o seu evangelho como Atos dos Apóstolos. (Lc 1:3, 4; At 1:1) Ser ele chamado de "excelentíssimo"
[1] talvez indique elevada posição de algum tipo, ou pode simplesmente ser um expressão de alta estima. Pelo visto, Teófilo era cristão, e teria sido oralmente instruído a respeito de Jesus Cristo e seu ministério. A declaração escrita de Lucas serviu para assegurar-lhe da certeza do que aprendera oralmente.

Coffman Commentaries on the Old and New Testament, menciona que apesar do significado piedoso deste nome, conforme vimos acima, "não há motivos válidos para entender isso como algo além de um nome próprio," visto que algumas obras de referencias dizem que o nome dele revelava algo sobre ele, assim como era de costume dos povos da antiguidade colocar nomes que mostravam detalhes de suas vidas ou traços de suas personalidades; no entanto, no caso de Teófilo, embora tenha um significado piedoso, não há nada que nos leve a achar que isso se aplique no seu caso.

Como disse Bruce: "Teófilo era um nome perfeitamente comum, sendo usado do terceiro século A.C em diante." – F. F. Bruce, The Book of Acts (Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1954), p. 31.

Sobre quem poderia ser esta pessoa a quem Lucas dedica a sua obra histórica, vemos que "Teófilo podia ser um amigo chegado de Lucas, ou que ele tenha vindo a ter forte fé mediante a ajuda de Lucas... Teófilo ajudou Lucas na produção e distribuição do Livro. A dedicação ao "publicador" no início do livro não era incomum na Grécia do mundo Antigo." – Commentary on Acts, de Michael Ravnholt Westh, 1997-99.

A respeito de todas as coisas... Referentes a Jesus Cristo e sua vida aqui na terra. Este primeiro relato, que Lucas escreve sobre a vida e os ensinos de Jesus Cristo, é feito com exatidão factual e é dirigida a Teófilo. (Luc 1:3) Agora Lucas está direcionando a Teófilo um documento sobre a vida, as obras e os ensinos dos apóstolos; e assim como este cristão do primeiro século aceitou com seriedade este documento histórico inspirado por Deus, assim nós também devemos dar detida atenção as coisas ensinadas neste livro, onde nos mostra o avanço da obra no primeiro século e o estabelecimento da primitiva congregação cristã.

Quando Lucas menciona "todas as coisas" que Cristo fez e ensinou, ele obviamente não está se referindo a literal e absolutamente tudo que Cristo fez e ensinou, uma vez que outro evangelista de nome João escrevera: "Há, de fato, também muitas outras coisas que Jesus fez, as quais, se alguma vez fossem escritas em todos os pormenores, suponho que o próprio mundo não poderia conter os rolos escritos." (João 21:25) A expressão "todas as coisas" é frequentemente usada para denotar o que é mais importante ou os fatos mais importantes. (cf. 1 Timóteo 1:16) Neste texto a palavra é claramente traduzida por "principal", quando Paulo fala claramente que dentre todos os pecadores ele era o principal ou o pior. Assim, em seu registro inspirado sobre a vida e ministério do filho de Deus, Lucas relatou as coisas mais importantes, ou principais, que também são trazidas à atenção nos outros evangelhos.

Que Jesus principiou... A palavra "principiou" é uma forma de uma expressão hebraica; que significa simplesmente o que Jesus fez e ensinou. Por exemplo, em Gênesis 9:20, lá a Bíblia diz que Noé "principiou como lavrador", ou seja, ele se tornou lavrador. Há outros relatos em que esta mesma palavra é usada nas escrituras apenas com um significado :

(1) "Produzi, pois, frutos próprios do arrependimento. E não principieis a dizer no vosso íntimo: ‘Temos por pai a Abraão.’ Pois eu vos digo que Deus tem poder para suscitar destas pedras filhos a Abraão" – Lucas 3:8.

(2) "Quando as multidões se apinhavam, principiou a dizer: “Esta geração é uma geração iníqua; procura um sinal. Mas nenhum sinal lhe será dado, exceto o sinal de Jonas." – Lucas 11:29.

(3) "Então principiareis a dizer: ‘Comemos e bebemos na tua frente e tu ensinaste nas nossas ruas largas.’" – Lucas 13:26.

(4) "e aquele que te convidou venha com ele e te diga: ‘Deixa este homem ter o lugar.’ Então principiarás com vergonha a ocupar o lugar mais baixo." – Lucas 14:9.

(5) "Senão, ele talvez lance o alicerce dela, mas não a possa completar, e todos os espectadores comecem a ridicularizá-lo" – Lucas 14:29.

Alguns eruditos sugerem que estas “todas as coisas que Jesus principiou tanto a fazer como a ensinar” se resumem ao que ele fez e ensinou depois de sua ressurreição e antes da ascensão aos céus, ou seja, durante os quarenta dias em que ainda ficou na terra, porque Lucas fala das coisas que ele fez e ensinou “até o dia em que foi tomado para cima.” (cf. Atos 1:2a.) Mas é bem evidente que essa é uma interpretação errônea, visto que no início do seu relato sobre os atos dos apóstolos, Lucas lembra Teófilo do evangelho que ele mesmo compusera, e este por sua vez nos conta de maneira lógica todas as coisas que Cristo fez e ensinou enquanto vivia na Terra como ser humano, como também de suas ordens já como o Cristo ressuscitado, “até o dia” que foi tomado para os lugares celestiais. Esse entendimento se harmoniza plenamente como o que está escrito em Atos 1:1. -- cf. Lucas 1:1-3; 44-49.

Fazer... De fato, são muitas as coisas que Cristo fez enquanto esteve na Terra, tantas que não poderíamos numerá-las. O que Cristo fez deixou marcas naquele tempo e ainda está bem vivo na mente de seus discípulos, mesmo tendo-se passado tantos séculos de sua morte. Mediante suas obras poderosas que ele fazia em nome do Pai, como também seu modo de vida que refletia a personalidade Divinal do seu Deus; em tudo isso, Jesus Cristo fez poderosamente obras de uma forma que nunca mais será esquecida. Mas, levando em consideração todas as coisas que ele fez, quer de maneira milagrosa, como também seu modo de agir, impelido por um coração cheio de amor, o que mais se destaca com a sua "maior obra" foi o seu sacrifício, que tanto santificou o nome de Yehowah, como trouxe alívio para a humanidade. Todas estas obras ficaram fortemente gravadas na mente de seus apóstolos, inclusive no apóstolo em consideração, Lucas, de maneira que ele poderia descrever como testemunha ocular dos fatos, as coisas que o Filho Unigênito de Deus fez por nós.

Neste primeiro relato, nós aprendemos o que Cristo fez e ensinou enquanto vivia como humano na Terra. O segundo relato de Lucas fala da ascensão de Cristo aos céus e da obra de testemunho a ser realizada sob a orientação de Cristo como cabeça da congregação, que estava prestes a nascer, conforme Cristo deu-lhes ordens. Sendo assim, podemos consideram o livro de Atos dos apóstolos com uma seqüência da obra que Cristo começou quando foi batizado, onde teve início o seu ministério. Agora ele continuar a obra lá dos céus por meio dos discípulos.

Ensinar... Embora Cristo efetuasse muitas obras poderosas e curasse toda sorte de moléstias, ele não era conhecido por "Curador" ou algo parecido, mas sim como "Instrutor". Lucas, no seu evangelho, havia colocado de maneira lógica os ensinamentos de Cristo Jesus, de maneira que Teófilo pudesse entender plenamente e ser estabelecido na fé que aprendera oralmente. Os evangelhos de modo geral se constituem desses dois pontos essenciais, a saber, as coisas que Cristo fez e ensinou.

Acrescentando a isso podemos observar o seguinte, conforme a citação à baixo:

"Fazer deve sempre preceder o ensinar" (cf. Ezra 7:10). A ordem das palavras "fazer" e "ensinar" é digno de nota. Ações primeiro; depois então as palavras. A mesma ordem é encontrada em Lucas 24:19 (contraste em At. 7:22). Fazer vem primeiro, para o cristianismo é principalmente vida. -- Thomas, pp. 18-19. --

Nós também podemos aprender que essas duas coisas marcaram a passagem do filho de Deus na terra. Com isso, nós também podemos aprender que:

1) Cristo ensinava e fazia. Ou seja, Cristo agia em harmonia com seus ensinamentos, os seus ouvintes eram testemunhas oculares de sua vida piedosa e assim seu ensino ficou ainda mais gravado na mente e no coração dos seus ouvintes, visto que Cristo ensinava e depois estabelecia o exemplo, afim de que assim como ele fez os cristãos pudessem também fazer. 2) Assim como no caso do Cristo, nós também precisamos harmonizar as nossas vidas com aquilo que professamos acreditar, a ponto de darmos as nossas vidas por isso. Agindo assim, podemos ter a certeza de que depois de termos pregado a todos, nós mesmo não venhamos ser de algum modo reprovados. Nossa conduta e modo de vida devem apoiar aquilo que ensinamos. Como podemos ensinar a outros se não ensinamos a nós mesmos?


Notas:
[1] Cf. Lucas 1:3.